O especialista Fernando Lino concedeu entrevista exclusiva ao portal do Sinepe Rio para falar sobre os desafios da infância e da adolescência no ambiente digital. Com vasta experiência na área, Lino atua como pesquisador em educação tecnológica, bem-estar digital e segurança online para alunos, educadores e famílias. É também autor do livro Xarope Digital, no qual discute os impactos do uso excessivo das telas no desenvolvimento infanto-juvenil.
Na conversa, ele alerta para os principais riscos da navegação sem mediação, comenta os efeitos do uso excessivo das telas e oferece orientações práticas para famílias e escolas atuarem na formação da cidadania digital.
Quais são hoje os principais riscos digitais que crianças e adolescentes enfrentam ao navegar na internet?
Hoje, os principais riscos vão muito além de conteúdos impróprios. Estamos falando de exposição à hipersexualização, manipulação emocional, aliciamento por predadores, cyberbullying, vício em dopamina digital e também da formação de crenças distorcidas sobre autoestima, sucesso e pertencimento.
A internet é um território potente — mas sem mediação, torna-se um campo minado para o desenvolvimento emocional e ético dos jovens.
De que forma o uso excessivo das telas pode afetar o desenvolvimento cognitivo e emocional dos jovens?
O excesso de telas afeta diretamente funções como atenção, controle inibitório, memória de trabalho e a capacidade de autorregulação emocional. Isso repercute no rendimento escolar, no sono, na criatividade e no autoconceito.
Além disso, há uma queda na qualidade das interações presenciais — o que enfraquece habilidades fundamentais como empatia, escuta ativa e resolução de conflitos. Ou seja: o cérebro em formação precisa de pausas, de tédio e de presença humana — coisas que os algoritmos não entregam.
O que a família pode fazer, na prática, para proteger seus filhos no ambiente digital sem recorrer ao controle excessivo?
A chave é educar, não apenas vigiar. Estabeleça conversas frequentes sobre o que eles consomem, com quem interagem e o que sentem depois de usar a internet. Crie combinados em vez de regras unilaterais. Dê o exemplo — a coerência parental é mais poderosa que qualquer filtro de conteúdo. E o mais importante: construa vínculo emocional. Quem se sente acolhido tende a buscar menos validação em ambientes inseguros.
Existem sinais de alerta que os pais devem observar para identificar se seus filhos estão em risco online?
Sim, e muitos são sutis: mudança repentina de humor ou comportamento, isolamento, irritabilidade ou perda de interesse por atividades offline, sono prejudicado, medo de mostrar o que vê no celular e mudança de vocabulário ou de referências. Esses sinais, quando persistentes, indicam que algo precisa ser investigado com acolhimento e sem julgamento.
Qual o papel da escola na formação da cidadania digital dos alunos? Isso já está sendo bem feito?
O papel da escola é formar sujeitos éticos e conscientes também no mundo digital. Isso vai além da orientação técnica — trata-se de trabalhar valores, limites, empatia e pensamento crítico. É exatamente o que propomos em nosso projeto “Guardião Digital” para escolas e famílias. Muitas instituições abordam o tema de forma pontual, mas o ideal é que haja uma abordagem transversal, contínua e conectada com a realidade dos alunos.
Como a escola pode incluir a educação digital no currículo, mesmo com tantas demandas pedagógicas?
A tecnologia pode — e deve — ser uma aliada pedagógica. Para isso, é essencial investir na formação dos professores, fortalecer a cultura digital e entender que cidadania digital não é um conteúdo a mais, mas uma competência essencial do século XXI. Projetos interdisciplinares, rodas de conversa, uso crítico das redes sociais e construção de mediações coletivas são caminhos possíveis, mesmo com pouco tempo disponível.
Qual a importância de ensinar desde cedo sobre privacidade, proteção de dados e limites no uso das redes sociais?
Ensinar isso desde cedo é proteger a integridade, a autonomia e o futuro digital das crianças. Privacidade não é frescura — é um direito. Quando a criança aprende a reconhecer o valor da sua imagem, do seu tempo e da sua atenção, ela se torna menos vulnerável à exploração e à manipulação online.
Como equilibrar o incentivo ao uso da tecnologia para a aprendizagem com a proteção contra os perigos da internet?
O equilíbrio está em usar a tecnologia com intenção, mediação e propósito. Tecnologia sem filtro vira distração. Com orientação, pode ampliar repertório, desenvolver pensamento crítico e até fortalecer vínculos. O problema não é a tela — é o que se consome, por quanto tempo e com qual objetivo.
Quais são as melhores práticas ou ferramentas que pais e escolas podem adotar para promover um ambiente digital seguro?
Diálogo constante e não punitivo, combinados claros e revistos com os filhos; controles parentais como apoio, não como solução; escolha de conteúdos em conjunto; participação ativa nas redes (inclusive dos adultos!); criação de espaços de escuta na escola.
As ferramentas ajudam, mas o mais importante ainda é a presença real — emocional e atenta.
A legislação brasileira tem avançado no combate a crimes digitais contra menores. Mas o que ainda precisa melhorar?
Avançamos com o Marco Civil da Internet, a Lei Geral de Proteção de Dados e com leis específicas contra a pedofilia digital. Mas ainda faltam mecanismos mais ágeis de denúncia, educação digital acessível nas escolas públicas e uma responsabilização mais clara das plataformas digitais na proteção de menores. Também é fundamental formar famílias e profissionais para reconhecer e agir diante de riscos reais no ambiente online.
Como as redes sociais e plataformas digitais podem colaborar mais com famílias e escolas nesse enfrentamento?
As plataformas precisam assumir sua corresponsabilidade. Isso passa por: tornar suas políticas de proteção mais claras e acessíveis; reduzir a exposição de crianças a conteúdos danosos e anúncios segmentados; apoiar iniciativas de educação digital com impacto social; desenvolver ambientes seguros por padrão — não por exceção; a proteção da infância online não pode depender apenas das famílias.
Para encerrar: que mensagem o senhor deixaria para pais e educadores que ainda se sentem perdidos diante dos desafios do mundo digital?
Não se cobre perfeição — mas nunca se omita. Seu filho não precisa que você entenda mais de tecnologia que ele.
Ele precisa saber que você se importa, que está presente e que é seguro falar com você sobre o que acontece online.
Em tempos de excesso de informação, a presença atenta e amorosa ainda é a melhor ferramenta de proteção digital que existe. Educar no digital é, antes de tudo, educar com vínculo, com exemplo e escuta.