Lucas Machado*
A responsabilidade de proteger essas crianças é compartilhada. Muitos pais, atraídos pela promessa de ganhos financeiros, permitem ou até incentivam a entrada dos filhos nesse universo sem compreender os riscos envolvidos. É fundamental que as famílias recebam informações claras sobre os perigos e apoio para orientar seus filhos
Enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) discute a regulação das redes sociais, um problema crescente ameaça nossas crianças e adolescentes. O que deveria ser um espaço de aprendizado e conexão transformou-se em um palco para práticas comerciais predatórias que exploram a vulnerabilidade dos mais jovens. Entre curtidas e compartilhamentos, a infância está sendo comercializada, e o futuro de uma geração corre perigo.
Redes sociais têm se consolidado como palco de trabalho para influenciadores mirins, crianças e adolescentes que se tornam protagonistas de estratégias de marketing digital. Essa tendência, que pode parecer inofensiva, revela problemas éticos profundos. Menores de idade estão sendo expostos a práticas comerciais exploratórias, recebendo brindes inapropriados — muitas vezes proibidos para sua faixa etária — de empresas que operam em esquemas de marketing de afiliados.
Além disso, é cada vez mais comum que esses jovens ostentem altos ganhos financeiros, promovendo cursos que prometem riquezas rápidas, sem qualquer orientação pedagógica. Frequentemente, exibem um estilo de vida luxuoso, afirmando que ele é fruto de algumas horas de trabalho diário. Essa narrativa atrai outras crianças e adolescentes, criando uma ilusão de sucesso e mascarando os verdadeiros perigos desse caminho.
Nos bastidores, uma indústria mal regulada lucra com a influência e ingenuidade dos menores. Embora o marketing de afiliados seja legítimo para adultos, ele se torna perigoso quando envolve crianças incapazes de compreender os contratos que assinam ou as implicações de suas ações. Empresas focadas no lucro ignoram os danos emocionais, psicológicos e até legais que podem causar.
A exposição nas redes sociais também coloca as crianças em situações de vulnerabilidade, sujeitas a críticas, bullying e exploração por pessoas mal-intencionadas. A pressão para manter a imagem de sucesso e continuar gerando receita resulta, muitas vezes, em ansiedade, baixa autoestima e conflitos familiares.
Esse fenômeno impacta a sociedade de forma preocupante. A exibição de uma vida idealizada, baseada em consumo e ganhos rápidos, reforça valores que priorizam o dinheiro e o status acima de habilidades reais, educação e trabalho ético. A promessa de “ficar rico sem esforço” desvaloriza o estudo e o desenvolvimento pessoal, criando expectativas irreais para crianças que abandonam livros e cadernos em busca de um sonho ilusório.
A responsabilidade de proteger essas crianças é compartilhada. Muitos pais, atraídos pela promessa de ganhos financeiros, permitem ou até incentivam a entrada dos filhos nesse universo sem compreender os riscos envolvidos. É fundamental que as famílias recebam informações claras sobre os perigos e apoio para orientar seus filhos.
As escolas também têm um papel essencial. Debates sobre o uso consciente das redes sociais e os riscos da exploração digital devem ser incluídos nos currículos. Os educadores podem ajudar a construir uma visão crítica sobre o mundo virtual e seus impactos.
Por outro lado, o papel do governo é indispensável. A ausência de regulamentação específica para a atuação de menores nas redes sociais é uma falha grave que precisa ser corrigida. É urgente que autoridades criem leis claras para proteger crianças e adolescentes, estabelecendo limites para a exploração comercial e garantindo que seus direitos sejam respeitados.
Não podemos permitir que nossas crianças sejam tratadas como ferramentas de lucro. Elas precisam ser protegidas e valorizadas, com direitos resguardados e oportunidades para crescerem em um ambiente seguro e ético. O futuro delas não deve ser moldado por promessas ilusórias de riqueza, mas por valores como ética, respeito e educação.
A regulação das redes sociais não é apenas uma questão tecnológica. É um chamado urgente para proteger a infância e assegurar o desenvolvimento saudável de uma geração.
Lucas Machado é diretor do Sinepe Rio e vice diretor administrativo da Federação Nacional das Escolas Particulares (FENEP).
Artigo originalmente publicado no Blog do Fausto, no Estadão.