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Publicado em 20 de dezembro de 2012 | 8 minutos de leitura

A pedagogia da repetência

A “pedagogia da repetência”, expressão usada pelo pesquisador Sérgio Costa Ribeiro, nos anos 90, é a mesma escolhida pela antropóloga Yvonne Maggie para falar sobre a educação básica brasileira. A pesquisadora, que atualmente estuda as trajetórias estudantis no ensino médio do Rio de Janeiro e as causas e consequências do abandono das salas de aula, afirma que nosso sistema pedagógico privilegia aqueles que querem estudar e abandona à própria sorte alunos com mais dificuldade.

— O grande desafio é fazer com que os professores e as escolas acreditem em seus alunos e façam menos julgamentos morais a respeito deles — diz a antropóloga, para quem, no quesito acesso, o Brasil tem avançado na educação básica.

Nesta entrevista, a especialista fala ainda da democratização ao ensino superior, com a regulamentação das cotas nas universidades e institutos federais, e faz um alerta:

— Mais pobres ocuparão as vagas subtraídas aos menos pobres, mas quantos desses conseguirão terminar? Será esse o sentido de democratizar a universidade?

A professora comenta também a importância de uma boa gestão escolar e do papel do diretor no aprendizado dos jovens.

As cotas foram regulamentadas e todas as universidades e institutos federais deverão se adequar à lei. Que impactos essa medida deve ter na educação básica?

Yvonne Maggie – Em minha opinião haverá pouco impacto porque o maior problema existente na educação básica é o alto índice de repetência que impede os estudantes de chegarem ao final dos 12 anos de estudo. Uma parcela muito pequena da faixa etária termina o ensino médio.

A reserva de vagas vai democratizar o ensino superior?

— Se você considerar que as vagas para estudantes pobres de escolas públicas serão 50% das vagas nas universidades federais, isso significa que mais pobres ocuparão as vagas subtraídas aos menos pobres, mas quantos desses conseguirão terminar? Será esse o sentido de democratizar a universidade?

Como a senhora avalia a educação básica brasileira? Qual o principal problema da estrutura do nosso sistema escolar?

— Como eu disse, o maior problema do ensino básico é o alto índice de repetência existente, mesmo com todos os programas para melhorar o fluxo dos alunos no sistema. Esse índice é reflexo de uma verdadeira “pedagogia da repetência” — expressão cunhada pelo grande pesquisador Sergio Costa Ribeiro nos anos 1990. Essa pedagogia, que afeta pessoas de todas as classes, tanto pais e professores quanto os próprios estudantes, faz com que a escola se desobrigue em relação aos alunos. A consequência é que uma parcela grande desses alunos acaba saindo da escola sem aprender muito depois de várias reprovações.

Temos avançado na educação básica? O que fazer para melhorar a qualidade da educação?

— Sim. Houve um enorme avanço no sentido de ampliar o acesso, que hoje é quase universal. Porém, ainda há muito o que fazer para melhorar a qualidade e permitir que todas as crianças e jovens cheguem ao final do percurso. Em primeiro lugar, é preciso, urgentemente, que o Estado tome pra si a tarefa de investir na ajuda aos professores e às escolas, sobretudo nas regiões mais pobres, para facilitá-los na missão de ensinar ao maior número possível de seus alunos!

Por que, mesmo sendo a 6ª economia do mundo, o Brasil ainda está no 88º lugar no ranking mundial da educação?

— O problema é que há pouco investimento, mas, sobretudo, má gestão desses recursos. É preciso acreditar fortemente que a escola faz diferença! Uma boa escola tem enorme impacto na vida dos estudantes, e uma boa escola não é aquela que reprova; é a que ensina mesmo aos que são difíceis de ensinar. Esse é o grande desafio: fazer com que os professores e as escolas acreditem em seus alunos e façam menos julgamentos morais a respeito deles.

Em sua opinião, o  Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) é adequado para aferir a qualidade de nossa educação? De que maneira ele pode influenciar a qualidade do ensino?

— Todo o sistema de avaliação pode e deve ser aprimorado, mas o Ideb é um bom indicador e pode ajudar muito as escolas a descobrir onde e como precisam melhorar. O problema é que os professores e diretores ainda desconhecem o que esses números significam e para onde apontam.

Hoje, a escola tem uma grade curricular cheia de disciplinas (música, educação para o trânsito, etc.) com o objetivo de formar o cidadão. Esse excesso de disciplina ajuda ou atrapalha? Por quê?

— Esse acúmulo é grave porque ninguém, em sã consciência, pode aprender um programa que tem como princípio ensinar a maior quantidade de temas possível. O resultado desse sistema é que os professores se sentem desobrigados em relação ao que seus alunos estão aprendendo no todo. Cada um se preocupa com a sua matéria e não com o fato de a escola ser responsável por ensinar a aprender.

Por que a maioria dos alunos matriculados no último ano do Ensino Fundamental não aprende o mínimo considerado adequado?

— A questão, como venho assinalando, é que a escola não se sente responsável pelo aprendizado de cada um de seus alunos. A pedagogia de nossa cultura, a pedagogia da repetência, tem esse efeito perverso. A cultura da repetência responsabiliza os alunos, suas famílias e o meio social em que vivem pelo desinteresse da parte dele e, assim, pelos seus ditos “fracassos”. Nosso sistema pedagógico prefere ensinar aos que demonstram interesse e responsabilidade e abandonar os que são taxados de irresponsáveis ou aqueles que, segundo os seus mestres, “não querem nada” e “não têm jeito”. Essas frases foram ouvidas ao longo da minha pesquisa, que teve início em 2004, e se repetem como um mantra em todos os quadrantes do estado do Rio de Janeiro.

Qual o papel do diretor da escola nesta busca pela qualidade?

— Na pesquisa desenvolvida no Núcleo Antropologia na Escola (NaEscola), estamos, atualmente, investindo justamente nos modos de gestão escolar, e os dados apontam para a centralidade do diretor no sentido de promover a qualidade do ensino. O diretor é figura fundamental para as mudanças que se fazem necessárias, mas ele só poderá ter sucesso se houver apoio e políticas adequadas para melhorar a proficiência dos estudantes sem abrir mão do princípio de que é necessário ensinar a todos.

 


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