Fonte: Portal R7
Eugenio Goussinsky
Um levantamento da Central Connecticut State University, nos Estados Unidos, chamado ranking WMLN (World’s Most Literate Nations), apresentou um retrato do atual estágio da educação no planeta, em uma época de transformações tecnológicas. O Brasil ficou em 1º lugar em relação ao número proporcional de alunos na escola e ao PIB destinado à educação. Mas ficou na 55ª posição, entre 61 países, em relação à qualidade do ensino.
O País lidera nos itens “anos de escolaridade”, a partir de quando ele ingressa no ciclo escolar (input, na pesquisa), e “despesas públicas na educação”, expressas na porcentagem do PIB de cada país. Segundo a Unicef, 98% das crianças brasileiras estão na escola. Israel ficou em 2º neste quesito.
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Mas no item referente ao “nível de aprendizado do aluno”, avaliado quando ele termina o ciclo escolar (output), o Brasil ficou entre os últimos. Os que apresentam melhor rendimento são Singapura (1º) e Finlândia (2º).
Especialistas entrevistados pelo R7 acreditam que a pesquisa evidencia um desequilíbrio: alunos na escola e dinheiro do governo não estão sendo suficientes para dar qualidade ao ensino brasileiro.
A professora Dora Incontri, doutora em educação pela USP (Universidade de São Paulo) e coordenadora da Universidade Livre Pampedia, diz que, entre outras causas desse desequilíbrio, os alunos têm pouco acesso aos recursos de aprendizagem.
— Recentemente, quando houve ocupação das escolas neste movimento no Estado de São Paulo eu acompanhei de perto e vi com meus próprios olhos – e matérias foram publicadas – que em várias escolas havia livros didáticos, materiais de computação, laboratórios, que estavam guardados e fechados e aos quais os alunos não tinham acesso. Foram coisas compradas, em que se usou o dinheiro público e não foi distribuído para os alunos. Já participei de projetos em escolas públicas e isso acontece muito no País.
Já o professor de Política Educacional da UCB (Universidade Católica de Brasília), Cândido Alberto da Costa Gomes, considera insuficiente o fato de as verbas para o setor estarem aumentando nos últimos anos. Segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) 6,6% do PIB foi destinado ao setor em 2013 (contra 5,6% em 2011), o que corresponde a cerca de R$ 370 bilhões. Ele ainda faz uma ressalva: a crise econômica no País pode reduzir esta quantia que, por si só, não é capaz de trazer a tão sonhada qualidade ao ensino.
— Esse dado [da pesquisa da Central Connecticut State University] mostra que o aumento do recurso não está resolvendo os problemas. Algumas melhorias aqui e ali ocorrem. O dinheiro é necessário, mas não suficiente. Se a verba não chegar à escola ou não operar mudanças dentro da escola é dinheiro jogado fora. Além disso, o percentual sobre o PIB é um tanto enganoso. O PIB do Brasil, proporcionalmente por pessoa, está bem abaixo do de países como Dinamarca e Alemanha.
Sistema cruel
Na opinião de Dora, a educação no Brasil tem se mantido com uma qualidade baixa, independentemente dos recursos e do tempo dos alunos na escola, devido a um sistema cruel que há décadas, principalmente a partir do golpe militar (1964), se perpetua por todo o território nacional. Para ilustrar, ela cita uma frase do antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997): “A crise da educação no Brasil não é uma crise, é um projeto”.
— Acredito que haja interesses políticos das elites, das oligarquias para que o povo brasileiro não tenha uma educação de qualidade. Nos últimos 50 anos houve uma destruição sistemática da educação brasileira e hoje temos uma geração de analfabetos funcionais. Acho que isso é proposital, tem uma intenção política aí, que independe de partidos e é mais ligada ao sistema como um todo.
Para Gomes, o fato de os alunos estarem mais dentro da escola também é apenas uma parte. A outra, e bastante complexa, é o fato de a própria escola no Brasil não estar resolvendo os seus problemas internos.
— É preciso uma pedagogia eficiente para os alunos aprenderem e, conforme diz a pesquisa, isso não está acontecendo. Há um grave problema dentro da escola no Brasil, a maneira como funciona não estimula o aluno a ir para frente. As matrículas do Ensino Médio têm caido há quase um decênio.
Para isso acontecer, um dos passos mais importantes, segundo Luiz Carlos Gil Esteves, professor de Financiamento em Educação, na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), é a realização de ações educacionais localizadas, de acordo com as necessidades de um país continental e cheio de diversidades. E que as demandas dos interessados – estudantes e professores – sejam realmente consideradas.
— Política pública se faz na confluência do Estado, da sociedade e dos diretamente envolvidos no tema. Neste mundo em transformação, não há como acabar com a escola. É uma instituição estabelecida, como a família e a polícia.
Sintonia com a sociedade
O processo é muito complexo e precisa ser analisado de diversos ângulos, segundo Esteves. Mas só irá evoluir se a educação tiver sintonia com as modificações da sociedade.
— Dentro de um conceito de uma sociedade que muda, essas mudanças têm de ser captadas e quem melhor tem a dizer em relação a isso são os próprios interessados, os estudantes. Há projetos de governo que chegam com soluções prontas. Mas se a principal demanda [dos alunos] não for ouvida, 80% da proposta não dá certo.
Outra questão levantada por Esteves é a má-formação da média dos professores brasileiros.
— Os professores escolhem tal profissão porque, em geral, são as pessoas que têm menos oportunidades em outras profissões. Não deveria ser assim. O desafio é trabalhar para ampliar as opções para todos porque da maneira que está é injusto. A escolha pela carreira de professor não deveria ocorrer por ser a única opção dentro das possibilidades, mas sim uma boa opção em meio a outras.
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Gomes, por sua vez, afirma que as avaliações do Ministério da Educação apontam uma melhora no curriculo entre a 1ª e 5ª séries, mas a partir da 6ª o grau de reprovação aumenta e isso faz com que, no fim do Ensino Fundamental, basicamente alunos mais favorecidos economicamente continuem no Médio.
— A questão da mudança começa pela pessoa. Biblioteca, prédios decentes, material didático, o uso de computadores fazem a diferença, mas não há mais como o professor aguentar, e os alunos muito menos, aquelas aulas expositivas em que o professor fica no velho quadro com giz e o aluno ouvindo o tempo todo quando a sociedade mudou a rota. A sociedade mudou mas a escola não.