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Publicado em 16 de junho de 2014 | 18 minutos de leitura

Brasil precisa investir mais R$ 54 bi por ano para atingir meta de qualidade do novo plano de Educação

Para atingir as metas do novo PNE (Plano Nacional da Educação), que teve seus últimos destaques votados no último dia 3 na Câmara Deputados, em vez dos atuais R$ 9,6 bilhões aplicados pelo governo federal na educação básica com base no Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), seria preciso direcionar para a área mais R$ 54 bilhões.

O CAQi (Custo Aluno Qualidade Inicial) está previsto no texto como referência para o estabelecimento de padrões mínimos de qualidade da educação. Entretanto, a consideração do índice foi ponto de polêmica durante toda a tramitação do plano.

Mesmo depois da aprovação do texto-base, no dia 28 de maio, a supressão do CAQi foi proposta em destaque ao plano elaborado pelo deputado Gastão Vieira (PMDB-MA). No fim, o deputado cedeu ao apelo do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), e abriu mão de discutir novamente o tema. O pedido foi feito para acelerar o processo, permitindo uma votação simbólica pela rejeição da emenda.

O MEC (Ministério da Educação) ainda não determinou como fará o repasse para implementar o CAQi, mas o dinheiro sairá dos recursos para a educação, que com o novo PNE vão aumentar progressivamente até chegarem a 10% do PIB (Produto Interno Bruto) — atualmente são investidos 5,3% do PIB.

A conclusão sobre o montante que precisa ser destinado para o QAQi é de Luiz Araújo, professor do Departamento de Planejamento e Administração da Unb (Universidade de Brasília) e doutor em Educação pela USP (Universidade de São Paulo).

Em sua tese de doutorado, defendida no início deste ano, Araújo estudou quanto o País terá de investir na educação dos brasileiros, considerando índices mínimos e específicos de qualidade educacional previstos no CAQi.

— Os R$ 54 bilhões estipulados equivalem à diferença entre o que atualmente é investido pela União para complementar o Fundeb e o quanto dinheiro seria necessário colocar nessa complementação para que todos os estados e municípios implantassem o CAQi, explica.

Para fazer a projeção, o professor analisou os gastos da União e de todos os entes federados com educação em 2011, tendo como base o Fundeb. Nesse sentido, Araújo adverte que o valor deve ser atualizado e revisto anualmente.

A Fineduca (Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação), em nota técnica sobre o tema divulgada em 2013, também estipula que a união deve aumentar o valor direcionado a Estados e municípios brasileiros para garantir educação de qualidade. Porém, segundo o órgão, seriam necessários mais R$ 46 bilhões para área.

— A diferença entre os valores que as pesquisas chegaram não é tão importante, quando se considera que, nos dois estudos, o total de dinheiro a mais que a União deve direcionar para a educação é da ordem de bilhões, avalia José Marcelino Rezende, professor da USP e presidente da Fineduca.

Para a realização da estimativa de complementação da união pela associação, foi levantado o número de matrículas de cada etapa e modalidade da educação básica, conforme o Censo Escolar de 2011. Em seguida, as matrículas foram multiplicadas pelo valor que cada aluno deveria custar em cada fase do ensino com base nos índices do CAQi.

Conta
Hoje, o Fundeb determina o investimento do governo federal na educação básica considerando valor-aluno/ano mínimo, ou seja, o custo de cada aluno matriculado nas redes estaduais e municipais de todo o País. Esse fundo estabelece que estados e municípios direcionem para a educação básica 20% do que arrecadam em oito impostos: ICMS, IPI, IPVA, Desoneração das Exportações, ITCDM, FPE, FPM, ITR-Cota Municipal.

O dinheiro é dividido pelo número de matrículas das redes, gerando um valor mínimo que cada estado e município deve pagar para a manutenção de cada aluno nas escolas anualmente. A média desses valores estabelece o valor mínimo ao ano a ser gasto por estudante em todo o País (R$ 2.285,57 por aluno do ensino fundamental em 2014).

Os Estados e municípios onde a arrecadação dos impostos não alcança o valor mínimo nacional a ser gasto anualmente com da aluno das redes são ajudados pela União com uma complementação financeira que, ao todo, deve equivaler a 10% do total do dinheiro direcionado à educação pelos entes federados.

O valor dessa complementação chegou a R$ 9,6 bilhões em 2013, quando os Estados de Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco e Piauí foram ajudados pela União.

Custo Aluno Qualidade Inicial
— Hoje, por meio do Fundeb, o dinheiro direcionado anualmente aos alunos não tem como parâmetro nenhum índice garantindo que o valor investido traz qualidade ao ensino. Ou seja, não há nenhum compromisso com uma vertente de qualidade no Fundeb. O valor atual é resultado de um cálculo algébrico apenas, que divide o dinheiro disponível para a área pela númeto de alunos da rede, diz Marcelino Rezende.

Também apreciador do CAQi, Marcelino Rezende explica ainda que o índice inverte a atual lógica de financiamento, prevendo que, para atingir os índices de qualidade, todas as unidades da federação recebam a complementação da união, e não apenas as que têm seus 20% de arrecadação insuficientes para bancar os alunos da rede.

Aprovado nos documentos finais da Coneb (Conferência Nacional de Educação Básica – 2008) e da Conae (Conferência Nacional de Educação – 2010), em parceria entre a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e o CNE (Conselho Nacional de Educação), o CAQi é indicador das formas de financiamento do ensino que prioriza a qualidade de acesso e permanência de cada aluno na escola.

Dentre os elementos previstos no índice para o cálculo do investimento na educação considerando a qualidade do ensino, estão: a estipulação de um número médio de alunos por turma e a efetivação do piso nacional salarial do magistério.

Também são atentados dentros dos cálculos do CAQi a consolidação da política de carreira e de formação continuada dos docentes; a presença de bibliotecas, salas de leitura, laboratórios de ciências, laboratórios de informática e quadras poliesportiva cobertas em todas as escolas e brinquedoteca em creches e escolas dos anos iniciais do ensino fundamental.

Divisão dos recursos
O aumento do valor a ser investido na educação, as responsabilidades de todos os níveis governamentais envolvidos nesse processo e as mudanças na forma de se considerar o custo de cada aluno dificultaram a consolidação do CAQi como um das estratégias contidas na meta 20 do novo Plano Nacional de Educação (PNE), que trata do financiamento da área.

Embora signifique um avanço em relação ao valor-aluno/ano mínimo do Fundeb, segundo a nota técnica do Fineduca, o CAQi representa um custo que corresponde a cerca de um terço das mensalidades cobradas pelas escolas privadas, frequentadas pelas crianças de classe média do País.

 

 

Investimento público em instituições privadas de ensino gera polêmica em plano de educação
Desde que o novo PNE (Plano Nacional da Educação), aprovado no dia 3 de junho pelo plenário da Câmara dos Deputados, começou a ser debatido no Congresso Federal, em 2011, o uso dos termos “investimento público total” e “investimento público direto” em educação nas diferentes versões criadas para o texto gerou polêmica entre os parlamentares.

Brasil precisa investir mais R$ 46 bi por ano para atingir meta de qualidade do novo PNE

Inclusão escolar ainda é ponto polêmico em texto do Plano Nacional de Educação

Ao contrário do que se entende por meio do “investimento público direto” para educação pública, a ideia de “investimento público total” consideraria gastos totais da União, Estados, municípios e Distrito Federal com áreas gerais da educação, inclusive próximas a entidades privadas.

Esse tipo de gasto está previsto no artigo 213 da Constituição Federal. Resumidamente, o artigo determina que recursos públicos sejam direcionados a escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas que comprovem finalidade não lucrativa, apliquem os seus excedentes em educação, e que, no caso do encerramento de suas atividades, assegurem destinação de seus patrimônios ou ao poder público. A Constituição também prevê o gasto de recursos públicos com bolsas de estudos de ensino fundamental e médio.

Programas federais
Em uma das últimas sessões da votação do novo PNE realizada na Câmara no dia 23 de abril, deputados aprovaram a proposta do relator do texto Angelo Vanhoni (PT-PR) que tem origem no histórico citado acima. O tema voltou a ser discutido na última semana por meio do destaque ao texto elaborado pelo deputado Paulo Rubem Santiago (PDT-PE).

Santiago propôs que os gastos com os programas Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) e ProUni (Programa Universidade Para Todos) não fossem contabilizados como parte do financiamento da educação pública, e, assim, não fizessem parte dos 10% do PIB (Produto Interno Bruto) que devem ser direcionados para área até 2024, como prevê o novo PNE.

Com a aprovação do plano e dos últimos destaques ao texto no último dia 3, foi aceita a versão em que, no parágrafo 4º do artigo 5º, considera-se investimentos públicos em educação aqueles realizados em programas de expansão da educação profissional, superior e especializada —tais como Fies, ProUni, Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), Ciências Sem Fronteiras (programa de intercâmbio universitário) e entidades filantrópicas.

— Apesar de estar ligada às exceções de direcionamento de investimento público em educação, a decisão de considerar esses programas como gastos públicos tem relação com uma política do governo federal de aproximar políticas públicas ao setor privado, avalia Luiz Araújo, professor do Departamento de Planejamento e Administração da Unb (Universidade de Brasília).

O especialista lembra que o Fies, por exemplo, é um sistema de financiamento viabilizado pela Caixa Econômica Federal que não implica em gasto com educação, já que o estudante contrai um empréstimo que irá pagar ao fim da graduação.

Críticas também são feitas ao caráter permanente da proposta, que deve estar presente nos dez anos de validade do novo PNE. Para Gilmar Soares Ferreira, secretário de formação da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), um dos problemas é que o texto aprovado na Câmara permite que o investimento em educação se vincule a gastos de programas federais próximos ao setor privado por tempo indeterminado.

— Do jeito que foi aprovado, o texto abre precedente e naturaliza formas de financiamento público a setores privados porque estão ligados à educação. E estamos combatendo isso há décadas, diz Gilmar Soares Ferreira, secretário de formação da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação).

Partes do todo

Dados mais recentes do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) sobre o tema mostram que, em 2012, o Brasil gastava 5,5% de seu Produto Interno Bruto em educação pública, ou seja, gasto público na rede pública de ensino. Desse valor, 1% são investimento do governo federal, 2,2 % dos governos estaduais e 2,3% dos governos municipais.

Quando se considera gastos totais com educação de maneira geral, incluindo bolsas de ensino da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) em instituições privadas, por exemplo, o percentual do PIB direcionado à educação pelo País sobe para 6% e 4%. O gasto do governo federal com a educação nesse caso vai para 1,3%. Ou seja, equivalente gasto pelo governo federal com a educação vinculada ao setor privado é 0,3% do PIB.

— O governo federal gasta com a rede privada relacionada à educação o equivalente a 30% de tudo o que gasta com a rede pública, o que é um absurdo. Esses 30% poderiam ser gastos diretos do governo com educação pública, diz Araújo.

Para ele, há um interesse de contabilizar o setor privado e, assim, investir menos do que se poderia com a educação que não prevê lucro.

— E se, nesse período, o poder público passar a gastar mais com entidades do setor privado próximas à educação, o quadro pode piorar. Dependerá do que o governo quiser, avalia o especialista.

Dados de 2009 divulgados pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), último ano com informações disponíveis, mostram que, no Brasil, a cada R$ 1,00 investido em educação pública, o governo federal contribui apenas com R$ 0,20, contra R$ 0,41 dos 26 estados e do Distrito Federal e R$ 0,39 dos municípios.

Em nota técnica sobre o assunto a Fineduca (Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação), avalia que a união, como “ente federado que mais arrecada, possuidor de mais da metade da receita tributária líquida, é aquela que menos contribui com a educação.”

 

 

Inclusão escolar ainda é ponto polêmico no Plano Nacional de Educação
A meta 4 do novo PNE (Plano Nacional de Educação) estabelece as formas para garantir a inclusão de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades nas escolas. Em termos gerais, ela consolida a universalização do atendimento escolar a esses estudantes.
Educadores têm opiniões divergentes quanto ao formato de uma educação inclusiva que seja eficiente para o desenvolvimento social e cognitivo do aluno com necessidades especiais.

Alguns especialistas defendem que os alunos com deficiência devam ser educados em salas regulares, junto a alunos sem necessidades especiais. Mas há também aqueles que avaliam ser melhor que estudantes com deficiência tenham uma educação diferenciada, à parte dos demais alunos.

Este debate se refletiu nas discussões sobre a meta no Congresso Federal. Enquanto a redação do texto da Câmara dos Deputados acentuou a inclusão de alunos com necessidades especiais em salas regulares, o texto revisado durante a tramitação no Senado Federal, em 2012, incluiu a possibilidade de a educação desses alunos ser feita de maneira separada.

Impasse mantido
O atual texto, sancionado pela presidente Dilma Rousseff, mantém ambígua a base ideológica e pedagógica da forma de inclusão de alunos especiais a ser seguida no Brasil nos próximos dez anos, período de vigência do PNE.

Para Luiz Araújo, professor do Departamento de Planejamento e Administração da Unb (Universidade de Brasília) e doutor em Educação pela USP (Universidade de São Paulo), a aparente confusão tem relação com lobby das Apaes (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais).

Segundo o professor, a associação teria influenciado parlamentares quanto ao ensino de alunos com necessidades especiais fora das salas regulares.

— Não há um consenso sobre o tema.

Rodrigo Mendes, fundador do Instituto Rodrigo Mendes, organização que desenvolve programas de educação inclusiva, também destaca a existência de impasse sobre o tema e a atenta para as consequências disso.

— Há de se apontar uma involução conceitual decorrente da alteração do texto original, apresentado pelo MEC em 2010. Segundo ele, a educação especial deveria ser uma modalidade complementar à escolarização no ensino regular, e não substitutiva. Contrariando essa diretriz, o atual texto autoriza também as escolas especiais a desempenharem o papel da sala de aula regular.

Mendes afirma que, como consequência, o Brasil estará em dissonância com a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da qual o Brasil é signatário.

— E desperdiçaremos a oportunidade de investirmos em uma pedagogia não homogeneizadora, que estimula o desenvolvimento de competências para o convívio com as diferenças.

Fonte: R7 – 16/06/2014


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