RIO — Cuidados geram cuidados. O cenário corporativo, hoje, pede que sejam desenvolvidas, por gestores, habilidades que vão além dos desafios impostos pela era digital. É o que diz o professor Amaro França, especialista em gestão educacional e diretor-geral do Colégio Sacré-Coeur de Marie, no Rio, segundo quem os benefícios da teoria da inteligência emocional, aplicados por meio da gestão humanizada, são imprescindíveis aos verdadeiros líderes na atualidade.
França, inclusive, lembra que o índice de demissões no mercado de trabalho por comportamento inadequado é maior do que o de incapacidade técnica porque as pessoas buscam, cada vez mais, se especializar profissionalmente, mas se esquecem das práticas de relacionamento interpessoal:
— Não se trata de acreditar que a habilidade para se relacionar encobrirá qualquer falha técnica. No entanto, de nada adiantará a competência intelectual, se o indivíduo não souber se relacionar profissional e humanamente.
Para o especialista, o sucesso depende do nível de desenvolvimento de sentimentos como compaixão e solidariedade, ou seja, da utilização no dia a dia de práticas embasadas por valores humanos. Por isso, acredita que os gestores devem não somente aprender novas formas de liderar — como pregam alguns coachings do momento —, mas também desenvolver habilidades menos superficiais para delegar responsabilidades aos seus subordinados. Nesta entrevista, o educador explica melhor os conceitos de gestão humanizada e da singularidade, e como aplica os métodos na relação de trabalho com os funcionários do colégio carioca.
— Quais cuidados devem ser tomados em relação à infraestrutura dos espaços comuns de uma empresa? E de que forma essas ações se relacionam às práticas de gestão humanizada?
— Cuidar dos espaços comuns a todos tem como expressão o cuidado para com as pessoas. Isso inclui ambientes para refeição e descanso, os quais necessitam estar limpos, higienizados, iluminados e com móveis apropriados. É preciso entender que retirar entulhos, reciclar elementos e pintar ambientes são modelos de atividades cíclicas. Portanto, não basta realizá-las uma única vez e pensar que o problema estará resolvido para sempre. Estas ações estão voltadas a humanizar o local de trabalho. Por exemplo, caso os colaboradores tomem banho na empresa, como os auxiliares de serviços gerais fazem aqui no colégio, é preciso oferecer água quente. Além disso, a criação de regras se faz imprescindível para que tais condições saudáveis sejam mantidas e para que haja confluência de informações que evitem desperdícios. Essa prática desenvolve nos colaboradores corresponsabilidades voltadas ao zelo do ambiente comum.
— Além do cenário relativo à infraestrutura humanizada, como as práticas interpessoais podem ser desempenhadas pelos próprios líderes?
Acredito que podemos começar pelas ações do cotidiano relacional, por exemplo, ao cumprimentar os subordinados com bom dia, boa tarde e/ou boa noite. As boas maneiras representam a essência da educação. Chamá-los pelo nome, parar para conversar (mesmo que seja rapidamente em um encontro pelos corredores) e olhar nos seus olhos durante o momento de diálogo, principalmente quando há algo grave acontecendo com ele ou com seus familiares, representam também formas de valorização profissional que intensificam as relações.
Há práticas simples do cotidiano que melhoram as relações, como elogiá-los por um bom trabalho realizado, durante reuniões com os colaboradores da instituição. Vale destacar a promoção de reuniões administrativas, por meio das quais a equipe gestora fala para toda a comunidade funcional, apresenta dados e os convoca para os objetivos comuns da instituição.
Outro exemplo de valorização é implantar ações que envolvam todos os colaboradores. Há uma ação que particularmente considero muito eficaz. Trata-se de criar em uma data específica, como o Natal, um momento que envolva as famílias dos colaboradores. Ampliamos a celebração natalina aos familiares de todos os funcionários, com a mobilização para que contribuíssem com um prato para a ceia, o qual é partilhado entre todos os presentes.
— Em um universo de 218 colaboradores, como o senhor faz para gravar o nome, conhecer o dia a dia e os problemas pessoais de seus subordinados, uma vez que, normalmente, os gestores tendem a reclamar do curto tempo para execução completa de suas atividades?
— Grande parte dos líderes acredita que é preciso estar presente. Eu já vou além: digo que é preciso conviver e, mais, é necessário compartilhar. Não há mágica para isso, se você convive com a pessoa, você sabe o nome delas. É simples. Tenho consciência que, enquanto líder, o meu papel é servir, criar condições necessárias para que os colaboradores possam executar bem o seu trabalho, o que entendemos como liderança servidora. Assim, procuro ter uma abordagem grupal e faço dos momentos pessoais instantes verdadeiros, mesmo que sejam rápidos, uma vez que as relações com as pessoas não são medidas pela cronologia e, sim, pela intensidade. Além dos elogios espontâneos, dou atenção às emoções que aquela pessoa me traz. Observo se está alegre, mas também comento se a percebo um pouco triste e me coloco à disposição para ajudar. Importante destacar que isso acontece de forma natural, porque gosto e me preocupo de verdade com as pessoas que trabalham comigo. É preciso perceber a pessoa enquanto sujeito, o que chamamos de gestão da singularidade.
O professor Amaro Franco (ao centro, de camisa vinho) durante apresentação sobre marketing e comunicação– Divulgação
— Qual é a relação entre benefícios empregatícios e percepção de gestão humanizada por parte dos colaboradores?
— Benefícios empregatícios, como planos de saúde e odontológico, ou mesmo a concretização de parcerias voltadas ao lazer, com cursos de idiomas, academias, restaurantes e farmácias, são sempre bem vistos pelos funcionários. Mas a questão humana da gestão, neste caso, se concretiza a partir do momento em que o colaborador percebe que o cuidado por parte dos seus líderes vai além de suas necessidades básicas. Por muitas vezes, antecipamos os salários ao depositá-los no dia útil anterior à data prevista para o pagamento, o que faz tamanha diferença para quem ganha um salário menor. Outro exemplo é o direito à bolsa de estudo integral, livros e uniformes que implantamos como benefícios para os filhos de auxiliares de serviços gerais. Como prática de gestão humana, buscamos apresentar ao menos uma boa notícia a cada encontro anual ou semestral de boas-vindas. A de 2015 é referente ao benefício conquistado para todos os filhos de professores e funcionários que estudam no colégio, que terão direito de receber os livros didáticos gratuitamente. Essa conquista é fruto de parceria da direção com as editoras. Em outras palavras, essas ações significam ‘eu me preocupo, cuido de você e desejo que tenha uma vida melhor’.
— Sobre a gestão humanizada, quais benefícios a prática pode trazer para a empresa e seu ambiente profissional?
— As pessoas quando são tratadas de forma cuidadosa, tendem a oferecer o mesmo nível de resposta emocional aos seus pares. Assim como expõe o ditado popular “gentileza gera gentileza”, o cuidado também gera cuidado. Grande parte dos líderes investe em um ambiente de trabalho mais saudável e cooperativo para otimização do tempo de execução das tarefas, mas não pensam na consolidação das relações interpessoais. A busca por tal concretização entre os colaboradores deve constar na lista de prioridades dos gestores. Esta prática gera um sentimento de pertença aos integrantes da equipe e se reflete diretamente na harmonia do todo. Penso que o verdadeiro líder marca positivamente a vida de seus subordinados. Digo que, quando a liderança torna as pessoas melhores, ela está cumprindo bem o seu papel. Se os colaboradores se tornam pessoas mais felizes, eles provavelmente se tornarão também profissionais melhores.
— Como autonomia e resultado se relacionam a práticas de gestão humanizadas?
As relações no ambiente de trabalho têm seu pressuposto no trato humano. No entanto, o colaborador deve compreender não se tratar de relações embasadas simplesmente pela afinidade, mas pelos objetivos centrados na realização da missão organizacional. Ou seja, o profissional tem que ter consciência de seu comprometimento com a ambiência favorável da empresa. Se ele não cumpre aquilo que lhe é delegado, e esperado, todos saem perdendo, inclusive o próprio. Afinal, é do seu trabalho que são gerados os valores do seu salário. A partir daí, o líder poderá trabalhar o quesito autonomia como elemento intrínseco ao ser profissional, mas sempre de forma alinhada aos níveis hierárquicos e funções definidas para cada setor. A autonomia precisa ser desenvolvida dentro da cultura organizacional, assim como é necessário cultivar a proatividade e valores colaborativos.
— O Colégio Sacré-Coeur de Marie é integrante de uma rede internacional de escolas e controlado por uma instituição mantenedora. O senhor, portanto, é gestor e subordinado ao mesmo tempo. O desenvolvimento da inteligência emocional, a qual ensina a lidar com sentimentos e está sendo aplicada nos alunos da escola, trouxe benefícios para a sua carreira enquanto subordinado, ao tratar de ações e/ou pensamentos de superiores que discorde?
— Acredito que exercer bem o papel que me é confiado, é minha grande missão. Na vida, assim como no trabalho, nós exercemos diversos papéis: em alguns momentos somos protagonistas, em outros coadjuvantes e há ainda aqueles que participamos nos bastidores. A diversidade e até mesmo os contrapontos com superiores ou pares são aprendizagens que compõem o viver e desenvolvem o ser enquanto profissional. Saber avançar e recuar são expertises aprimoradas no exercício do trabalho de equipe e do desenvolvimento da liderança.
— Quais dicas o senhor daria para líderes que se interessam pela prática de gestão humanizada? Por onde começar?
Antes de tudo é preciso ter amor próprio. Somente assim será possível amar as pessoas que lidera. É preciso ter consciência que liderança não é poder. Liderança é responsabilidade, liderança é serviço. A essência da gestão humanizada e da liderança servidora está em despertar o sentimento de pertencer à equipe. Por isso, reafirmo que simples gestos e atitudes desempenhados no cotidiano junto aos colaboradores de uma empresa podem fazer uma diferença enorme em suas vidas, a ponto de torná-los pessoas e profissionais melhores.
Fonte: www.oglobo.com.br/emprego – 23/10/2014