Artigos


Publicado em 02 de dezembro de 2016 | 12 minutos de leitura

Cursos de educação a distância vencem preconceito na formação de professores

Fonte: El País – 2/12/2016

REGIANE OLIVEIRA

 

João Maria de Souza Holanda Filho, 42 anos, faz parte de uma categoria de profissionais disputada no Brasil: ele é um futuro professor de Física. Uma verdadeira raridade no mercado que é estratégico para o país. Mas João só está encarando o desafio de buscar uma nova profissão graças às oportunidades trazidas por novas tecnologias que estão fazendo do ensino a distância, o chamado EAD, uma modalidade cada vez mais atraente.

Milhares de estudantes como ele encaram já o desafio de ter aulas longe das salas de aula, enfrentando as vantagens e desvantagens desse modelo. Muitos sentem falta do contato com professores e colegas, mas valorizam o fato de poder estudar em qualquer lugar, até mesmo nas cidades mais remotas. Enfrentam ainda o preconceito do mercado e de colegas que ainda desconfiam da qualidade do EAD. A descrença no novo modelo é, em parte, fruto do desconhecimento: ao longo dos anos, e com o avanço das tecnologias, os cursos a distância se tornaram referência em inovação, influenciando até mesmo o ensino tradicional.

Atualmente no 5º semestre do curso de Ciências Naturais da Universidade Virtual do Estado de São Paulo, João, que é militar, foi motivado pela possibilidade de inovar.“Falamos que o Brasil precisa de bons professores, mas precisamos também de uma nova modelagem de ensino. O aluno que estuda virtualmente tem que ser um investigador, capaz de trabalhar interdisciplinarmente, o que é essencial para o professor”, afirma.

Censo EAD 2015/2016

João faz parte ainda de uma outra estatística importante para o país, já que, com seu curso a distância, está ajudando a reduzir um problema do sistema educacional brasileiro, o déficit de professores com diploma do país. Atualmente, 76,5% dos professores do Brasil têm curso superior. E muitos até são formados, mas não nas disciplinas que lecionam. Dados do Censo Escolar mostram que, do total de 27.886 professores que lecionam Física, 68,7% não têm licenciaturanesta disciplina. Na Matemática, a diferença é menor, mas expressiva: dos 73.251 profissionais, 51,3% cursaram outra faculdade. O problema é ainda mais grave nas regiões distantes dos grandes centros urbanos.

Tecnologia pode aproximar aluno e professor

Jorge Alexandre Nogared Cardoso, coordenador do curso de Pedagogia da UnisulVirtual, afirma que já é possível notar diferenças entre os profissionais formados no ambiente virtual e nos cursos presenciais. “Quem não tem medo das novas plataformas de tecnologia leva vantagem. O professor que se formou no EAD pode até não ter desenvoltura para criar ambientes virtuais de aprendizado, mas ele sabe usar o espaço, o que o aproxima dos alunos”, afirma.

Professora de Matemática e estudante do curso de licenciatura em Ciências Naturais da Univesp, Camila Teixeira, 31 anos, tem testado essa teoria na prática. Ligada à rede estadual de ensino de Sorocaba (SP), ela é formada em Administração de Empresas e também estudou Pedagogia em um curso a distância. Na Univesp, fez a licenciatura curta (de dois anos) em Matemática e agora prepara-se para concluir a licenciatura em Biologia.

Aprendi a ser mais autônoma na busca por informações, pois o curso é muito puxado. Tem que fazer muita leitura por fora ou não dá para acompanhar”, explica Camila. Isso explica por que a evasão é alta nesta modalidade. “As pessoas entram achando que será fácil. Metade dos meus colegas já desistiu “, afirma ela.

Tudo o que aprende de tecnologia no curso, Camila tenta levar para a sala de aula. “Percebi que os alunos sabem usar tecnologia para ver rede sociais e procurar vídeo no YouTube. E para por aí”, explica. No entanto, ela afirma que é preciso ser realista em relação à aplicação das tecnologias na sala de aula, uma vez que, muitas escolas não têm estrutura para tal. Thiago Reginaldo, 32, aluno de Pedagogia da Unisul, concorda. “A falta de infraestrutura atrapalha a difusão de novas mídias na escola”, lembra.

Thiago, formado em Educação Física e Design e doutorando em Educação na Universidade do Estado de Santa Catarina, trabalha com pesquisa em educação e comunicação, além de dar cursos de formação para professores. Ele admite que ficou impressionado com a dinâmica do curso e com o estágio, mas percebe outro problema em relação ao ensino a distância. “Vejo que ainda existe um preconceito grande em relação ao online, o que é uma contradição, uma vez que vivemos em uma cultura digital. Muita gente acha que minha aprendizagem será menor. Não se percebe que estamos apenas multiplicando os espaços de comunicação, o que é bom para todos”, afirma.

A dificuldade da prática

preconceito contra os cursos de educação a distância na formação de professores está amparado especialmente nas questões da falta de interação e falta de prática didática. Jorge, coordenador da Unisul Virtual, explica que o contato pessoal realmente é mais difícil no curso a distância, mas que o esforço para vencer essas barreiras tem trazido resultados interessantes. Por exemplo, o fato de o aluno do curso virtual escrever mais. “Vemos que eles são mais atentos aos erros ortográficos e procuram ser mais claros na comunicação que os estudantes dos cursos presenciais”, afirma.

Quanto a questão da prática e de como fazer para que um professor que aprendeu por meio de um computador dê conta de uma sala de aula, a consultora Betina explica que não se deve ter ilusão. “Inicialmente, ele não dará conta da prática, assim como o professor formado em um curso presencial também não dá”, afirma Betina. “A prática é um problema muito discutido no Brasil, mas não é uma questão do EAD. Todos os currículos focam mais na teoria. Deixar um aluno totalmente seguro para pegar uma sala com 30 alunos, com tudo o que isso demanda, ainda é um desafio.”

 

PROGRAMA ESCOLAS CONECTADAS AUXILIA NA FORMAÇÃO DE EDUCADORES

A dificuldade de acesso às novas tecnologias é conhecida no Brasil, especialmente quando se fala de regiões distantes dos grandes centros urbanos. Para vencer esta barreira, a Fundação Telefônica lançou em 2013 a plataforma Escolas Rurais Conectadas, focada em atender a demanda de formação de educadores do campo. “Passamos dois anos produzindo conteúdos com um olhar especial para a realidade das escolas rurais”, conta Mila Gonçalves, gerente de projetos da Fundação Telefônica.

Como a procura de educadores que atuam nas áreas urbanas também era grande, a Fundação ampliou, em 2015, o escopo do projeto, lançando a plataforma Escolas Conectadas, onde professores de áreas urbanas e rurais encontram oportunidades formativas que auxiliam o cotidiano na sala de aula.

“Acreditamos que formando um professor, dando a ele capacitação técnica e pedagógica, com os conteúdos disponíveis, ele vai conseguir oferecer mais a seus alunos e esses alunos vão ter mais perspectiva de futuro. E a formação online é um mecanismo onde você consegue acessar um maior número de professores”, diz Americo Mattar, diretor presidente da Fundação Telefônica Vivo.

O portal oferece cursos com especialistas e cursos na modalidade “faça você mesmo“, ou Mooc (do inglês Massive Open Online Course), onde o professor controla seu percurso de estudos. Com carga horária de 15h ou de até 5h, os cursos já abordaram temas como Quadrinhos digitais, Mudança de tempos e espaços para a inovação pedagógica, Produção Textual na Cultura Digital, Resolução de problemas para além das aulas de matemática: desenvolvendo competências para o século XXI e Fotografia na aprendizagem: novos olhares para construir o conhecimento.

“A nossa intenção é que os educadores encontrem nesse ambiente digital um espaço com conteúdos relevantes e também de troca com seus pares, para que conheçam outras experiências e se inspirem a transformar seu dia-a-dia junto a seus estudantes e escolas em que atuam”, afirma Mila.

Em dois anos, foram mais de 37 mil professores de todos os Estados do Brasil inscritos em mais de 30 cursos oferecidos na plataforma.

A Fundação Telefônica estima que esses cursos tenham impactado mais de 850 mil crianças e adolescentes em salas de aula. Ainda assim, a Fundação reconhece a importância do ensino híbrido. “Fazemos ações formativas presenciais que buscam mobilizar escolas e secretarias de ensino em relação à temática da inovação de práticas pedagógicas que consideram as competências do século XXI“, afirma Mila. Neste ano, mais de de 3 mil professores de 90 municípios já participaram das oficinas presenciais.

 




Associe-se
Rolar para cima