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Publicado em 09 de abril de 2015 | 12 minutos de leitura

Educação para aumentar a produtividade do país

 

MARCELLA FERNANDES

LEONARDO CAVALCANTI
PAULO DE TARSO LYRA

Empossado ministro da Educação na segunda-feira, após a breve passagem de Cid Gomes na pasta, o professor de ética filosofia e Renato Janine Ribeiro tem posições incisivas sobre as tarefas que lhe cabem daqui por diante para sustentar o slogan “Brasil, pátria educadora”, da presidente Dilma Rousseff. “Esses dias mostraram que há uma parte muito grande da população brasileira que acredita no poder de transformação da educação. É uma coisa que está sendo dita há anos por muita gente, até em conversas de boteco”, disse o acadêmico, ciente de que o desafio será ainda maior porque a pasta sofrerá cortes orçamentários. Em entrevista ao Correio, o educador reconheceu que é preciso avançar em qualidade, mas defendeu o processo de inclusão social promovido pelos governos do PT. “Se a gente não tivesse feito inclusão e tivesse apostado no aumento da qualidade do ensino, a universidade estaria bem melhor, mas seriam os mesmos 3 milhões de alunos matriculados (hoje, são 7,4 milhões). Não teríamos atendido uma obrigação que é ética e política”, defendeu. Para o ministro, após as ações emergenciais do Bolsa Família, iniciativas como o Programa Universidade para Todos (Prouni) e o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) darão condições para o país dar o salto de qualidade que precisa. “Temos um problema histórico no Brasil: precisamos aumentar a produtividade. Precisamos atender uma demanda, sobretudo, da indústria, da agricultura e do setor de serviços”, disse Janine Ribeiro, que revelou ser contrário à redução da maioridade penal. “É preciso punir severamente o adulto que é cúmplice do menor. Severamente”, ressaltou. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

Há estimativa oficial dos cortes no orçamento da educação? Especialistas falam em algo em torno de R$ 14 bilhões… 
Não temos estimativas porque não temos os dados oficiais. Vocês podem ter uma estimativa que pode estar mais alta ou mais baixa. Há uma negociação constante, estamos expondo quais são os pleitos da educação. Como somos um ministério bastante organizado, podemos dizer que tudo o que fazemos tem mérito. Nossas ações são muito bem estruturadas e não estão superestimadas, o que torna delicado esse debate.

Isso significa que a margem de corte é menor?

A margem de corte vai ser determinada pelo governo, e vamos ter que nos adequar. Certamente, há ações que podem convergir e gerar economia. Você pode manter as atividades no mesmo nível com menos gastos.

O governo já admite que alguns programas poderão ser afetados. O Plano Nacional de Educação (PNE) será prejudicado?
Depende de como vai ser o corte. O PNE é um plano pactuado pela sociedade, aprovado pelo Congresso, promulgado sem nenhum veto pela presidente. É uma espécie de “Constituição da Educação”. Você tem uma meta, que é a valorização salarial do professor da rede. A meta diz que, em seis anos da implantação do plano (2020), o salário do professor da rede deve estar igual ao de um profissional, com a mesma escolaridade, que não está na rede. Hoje, o professor da rede pública recebe 72,7% do que ganha o mesmo profissional, com a mesma escolaridade, que está no mercado privado. Isso quer dizer que, se for ensinar na rede pública, você é punido em termos de salário, é um incentivo negativo para o selecionado.

O ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, falou hoje (ontem) da possibilidade de mudança no modelo de exploração do pré-sal, alterando de partilha para concessão. Isso pode impactar os recursos para a educação?

A presidente Dilma fez um discurso, no dia da minha posse, mantendo o compromisso do pré-sal para a educação. Creio que isso esteja valendo. O Brasil descobriu uma mina de ouro. Em vez de gastar isso pirotecnicamente, de qualquer forma, o país decidiu priorizar a educação. Isso é muito bom, porque significa aumentar investimentos sem aumentar impostos.

O senhor disse, recentemente, que o descontrole em relação ao Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) já está resolvido. Mas fica uma certa lacuna quanto à manutenção do acesso ao ensino superior, já que houve um contingenciamento do programa. 
O grande ponto que precisava ser corrigido é ter, de fato, critérios de qualidade. Qualquer pessoa podia pleitear o Fies. Muitas deixavam o dinheiro na poupança e pagavam o Fies com os juros, porque os juros do financiamento eram mais baixos do que os da poupança. E tiveram faculdades que passaram a depender todo o seu orçamento das matrículas de pessoas ligadas ao Fies. O Fies não é uma subvenção às instituições de ensino, é uma forma de ajudar as pessoas de baixa renda a cursarem a universidade.

Nos 12 anos de governo do PT, foram dadas condições para que 40 milhões de pessoas ascendessem à classe media. Com a crise atual, elas têm condições de permanecer nesse patamar?

Acredito que sim. Eu mesmo já comentei que a inclusão social se deu muito pelo consumo. Ou seja, a inclusão social se deu de uma forma que precisa ser mais bem estruturada pela educação. O Pronatec é uma maneira de estruturar essa classe média de uma maneira sustentável. Você tem três etapas. Primeiro, veio o Bolsa Família, que envolve uma série de inclusões sociais de pessoas em situação de emergência. Emergência é risco de vida. Uma crítica que muitos fazem ao PT é de ter implementado uma série de programas emergenciais sem mexer nas estruturas, mas se você não faz a emergência, depois não tem a estrutura. Há, gradualmente, uma mudança de foco do Bolsa Família para a valorização real do salário mínimo. O motor da inclusão passa a ser não mais a prestação de auxílio para os carentes, mas o aumento do salário mínimo de quem trabalha. A terceira etapa é essa hora em que, com o Pronatec, em especial — mas pode-se dizer que o Fies e o Prouni fazem parte disso tudo —, procura-se fazer com que a mão de obra, as pessoas que precisam trabalhar, tenha qualificação para ter um rendimento salarial mais alto. Essa nova etapa pretende dar sustentabilidade a todo o resto.

De que forma?

Temos um problema histórico no Brasil: precisamos aumentar a produtividade. É um clamor geral de todos os setores produtivos. Então, você começa a ter toda uma empregabilidade de setores que antes não tinham emprego, mas que, ao chegarem lá, percebe-se que essas pessoas não estão adequadas ao emprego. No que diz respeito à educação, o que estamos tentando fazer? Procuramos atender uma demanda, sobretudo, da indústria, da agricultura e do setor de serviços. É nesse ponto que incide, praticamente, o esforço do Pronatec.

Apostar apenas no consumo não foi um erro estratégico da gestão do PT?

Temos que distinguir atitudes emergenciais de estruturais. O Prouni, por exemplo, não é um programa para durar para sempre. Pode ser que dure, mas pode ser que em 10, 20 anos, atinja suas metas. O governo pegou esse país com um modelo muito elitista de ensino superior. Hoje, mais do que dobrou o número de alunos matriculados: passamos de 3 milhões para 7,4 milhões. Agora, se não tivéssemos feito a inclusão e tivéssemos apostado no aumento da qualidade, a universidade estaria bem melhor, mas seriam os mesmos 3 milhões de alunos. Nós não teríamos atendido uma obrigação que é ética e política.

O senhor tem medo que a política atrapalhe sua gestão?

Não, porque sou um universitário, não um político. Não tenho um passado na relação com os partidos. O acolhimento positivo veio também de pessoas que não têm nada a ver com a esquerda. Apesar de, claro, ficar contente com a reação favorável ao meu nome, não tenho ilusões. Sei perfeitamente que isso não significava uma coisa personalizada, era um entusiasmo pela educação. Esses dias mostraram que há uma parte muito grande da população brasileira que acredita no poder de transformação da educação. É uma coisa que está sendo dita há anos por muita gente, até em conversas de boteco. Isso tudo, creio, dá uma legitimidade grande para as posições do MEC, e é claro que vamos negociar com os representantes do povo (os parlamentares).

A criação do Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior (Insaes), que criará cerca de 500 mil cargos públicos, é uma prioridade para o governo, mesmo com a crise econômica?
O Insaes vai trazer mais agilidade na apreciação das propostas de instituições privadas, o que significa a correção de um problema. Você tem muitas fazendo projetos de curso e, muitas vezes, já se investiu nisso. Então demora-se dois anos para apreciar um projeto e depois aprová-lo, mas o capital fica imobilizado. Isso é um prejuízo injustificável. Todo e qualquer curso de graduação tem que poder ser examinado dentro de um prazo ágil. Com o instituto, a gente ganha em termos de produtividade, que não temos na administração direta. Há um custo, sim, da construção para a estrutura do Estado, mas esse custo é muitas vezes compensado pelo ganho que a sociedade terá.

Como educador, como o senhor vê a possibilidade de redução da maioridade penal? 

Não acredito em redução da maioridade penal, porque os dados que tenho mostram que o número de menores que cometem crimes é muito pequeno se comparado ao número de crianças e adolescentes vítimas. Agora, tenho uma posição estritamente pessoal: punir severamente o adulto que é cúmplice do menor. Severamente. Porque, na melhor das hipóteses, ele está corrompendo o menor. Na pior das hipóteses, está assumindo a titularidade de um crime que o mais velho cometeu. Eu acredito que, do ponto de vista ético, desviar do bom caminho uma pessoa despreparada, sem maturidade psicológica, é uma coisa muito grave. Restaria ainda um problema quando o menor cometesse o crime sozinho, mas, pelo menos, isso reduziria o problema.

Na história recente da pasta, um ministro tornou-se governador (Tarso Genro), um virou prefeito (Fernando Haddad) e outro, titular da Casa Civil (Aloizio Mercadante). Qual o seu futuro após o MEC?
Como eu já passei bastante dos 40, dos 50 anos (estou com 65), nunca me filiei a partido nenhum. A ideia de que eu venha disputar uma eleição, para mim, não significa nada. Ao contrário, me sinto mais livre justamente por não estar filiado, não ter no meu horizonte a ideia de me filiar a nenhum partido, menos ainda de concorrer a uma eleição. Não está na minha meta. Se essa gestão der certo, com ela, completo minha vida pública. Acho que é uma dedicação que implica anos de trabalho muitíssimo tenso, agendas pesadas, um dos ministérios mais complexos do país, que carrega também consigo uma responsabilidade extraordinária. Tudo isso é muito para eu pensar em querer ficar um dia a mais.

Correio Braziliense 9/4/2015


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