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Publicado em 06 de abril de 2015 | 6 minutos de leitura

Educação política e a política da Educação

Helio Gurovitz

A indicação de Renato Janine Ribeiro para a Pasta da Educação é a mais relevante do ministério de Dilma Rousseff neste segundo mandato. Para o futuro do Brasil, as políticas educacionais são muitíssimo mais importantes que qualquer outro assunto que tenha ocupado o noticiário nestes últimos tempos — do petrolão ao ajuste fiscal, para não falar na briga de comadres entre PT e PMDB. A escolha de Janine, em que pese ser um nome historicamente ligado à esquerda, foge ao figurino das indicações partidárias.

Teremos um Educador na Educação, um fato que não pode ser menosprezado, tamanha a quantidade de escolhas desastradas recentes na área. Se ele fizer uma gestão capaz de enfrentar as pressões sindicais das universidades (públicas e privadas) e de apostar robusta e consistentemente no Ensino básico, nosso país será outro daqui a poucas décadas. Não sabemos se fará isso. Mas podemos especular sobre suas intenções analisando o que ele ensinava.

Janine é um dos maiores conhecedores de filosofia política no Brasil, em especial de autores dos séculos XVII e XVIII, época das revoluções inglesa e francesa. Sua maior especialidade é a obra clássica do inglês Thomas Hobbes – célebre pela frase “o homem é o lobo do homem”, mas também autor de uma outra, contraponto que Janine fazia questão de repetir em suas aulas: “O homem é o deus do homem”. Não era apenas em Hobbes que ele buscava iluminação para entender a política. No século XVII, período em que os franceses deram ao mundo as obras de Descartes, Pascal, La Rochefoucauld ou Bossuet, para não falar no teatro de Racine, Corneille e Molière, Janine parecia fascinado por um pensador menos conhecido, mas não menos importante: Jean de la Bruyère. Será difícil encontrar nas livrarias brasileiras uma edição em português do único livro que La Bruyère escreveu: Os caracteres. A última foi lançada há 50 anos e está há muito esgotada; há na internet apenas uma tradução incompleta, sem os últimos capítulos.

Pequeno burguês que estudou os clássicos e se formou em Direito, La Bruyère também foi Educador. Teve a sorte de ser escolhido como preceptor de um nobre, o duque de Bourbon. Graças a isso, conquistou acesso ao universo da realeza e à corte de Luís XIV, o monarca absolutista que governou por 72 anos, em cujo reinado foram plantadas as sementes da Revolução Francesa. O poder de observação de La Bruyère está destilado no livro que escreveu e reescreveu
em edições sucessivas até a morte, em 1696. Ele era, antes de tudo, um moralista. Acreditava ser possível consertar o que havia de errado no mundo e via sua obra como um meio para isso.

Os 16 capítulos versam sobre todo tipo de aflição humana – do casamento à origem do Universo, com destaque para os costumes e a política. O texto se divide entre máximas, artifício comum a qualquer moralista de então, e uma inovação: retratos de personagens típicos, identificados por nomes fictícios.

Nas descrições desses seres humanos, os “caracteres”” do título, La Bruyère encontrou o caminho do sucesso. Sua ironia e seu estilo original – ele é considerado o primeiro “estilista” verdadeiro do francês – faziam sucesso na corte. Havia debates e fofocas sobre quem inspirara seus personagens ridículos, às vezes entre eles próprios. Desprezado por nobres e logrado por todo tipo de arrivista ao longo da vida, La Bruyère naturalmente deposita sua principal crença no mérito pessoal, tema do segundo capítulo. Ridiculariza a sociedade fascinada com o nascimento, a riqueza, a moda e os costumes passageiros. Embora acredite que a desigualdade seja necessária, pois o mundo não funcionaria sem ela, condena a pobreza e a miséria. Também condena os revolucionários. Conservador e cristão, enxerga as deficiências da sociedade, mas acredita na força das instituições religiosas e monárquicas para transformá-la.

Adaptadas para os dias de hoje, suas ideias podem ser uma ótima inspiração para transformar a Educação brasileira. Mas será preciso colocá-las em prática. E aí entramos no universo da política como ela é. O capítulo em que La Bruyère descreve a corte revela quão pouca diferença existe entre os personagens e costumes na Paris de Luís XIV e na Brasília de Dilma Rousseff. Favoritismo, bajulação, tráfico de influência, alianças, traições e dissimulação em nome de cargos e benesses – nada disso é novidade. Eis uma pergunta irônica de La Bruyère, que Janine pode muito bem ter lembrado logo após sua nomeação: “Quantos amigos, quantos parentes de um ministro novo não nascem em apenas uma noite?”. Ao assumir o ministério nesta segunda-feira, Janine começará na certa a perceber, a exemplo de La Bruyère, que há uma diferença enorme entre demonstrar competência na Educação política e obter sucesso na política da Educação.

Fonte: Revista Época – 4/04/2015



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