Fonte: O Globo – 6/09/2016
POR PAULA FERREIRA
Em entrevista ao GLOBO há um mês, a presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Maria Inês Fini — responsável pela realização do Enem —, criticou a configuração atual da prova que, segundo ela, se tornou uma avaliação baseada em uma “lista de conteúdos”, assim como o vestibular tradicional. Fini garantiu que à frente do Inep trará mudanças no formato do Exame no futuro. Já a secretária-executiva do MEC, Maria Helena Guimarães, afirmou que o ensino médio “virou cursinho preparatório para o Enem” e defendeu adequação da prova à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), por exemplo.
A ideia de promover mudanças no modelo da prova ganhou o apoio do presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação (Consed), Eduardo Deschamps. De acordo com ele, a falta de um currículo para o ensino médio e a existência de uma avaliação como o Enem padronizam essa etapa do ensino.
— Acreditamos que o Enem precisa passar por uma avaliação de si próprio, uma reformulação. O Enem hoje acaba engessando o ensino médio. Na ausência de um currículo, ele acaba servindo de referência. Temos uma padronização por conta da prova, quando precisamos de um ensino médio diversificado — analisa Deschamps, que critica ainda o fato de a prova servir para funções distintas: — O exame acaba sendo usado como avaliação do ensino médio e ferramenta de seleção para a universidade. Essa dicotomia acaba fazendo com que ele não cumpra bem nem uma função, nem a outra. O Consed vem defendendo que se discuta o Enem para repensar qual o seu papel como avaliação: se vai selecionar para a universidade ou avaliar o ensino.
Membro da Academia Brasileira de Educação, Antônio Freitas admite que utilizar o Enem como principal ferramenta de seleção pode contribuir negativamente para o ensino médio, que passa a visar somente a aprovação no vestibular. Mas ele defende que, por outro lado, essa característica também foi responsável por democratizar o acesso ao ensino superior no país:
— O formato atual naturalmente influencia a preparação. Se alguém vai fazer um concurso para Polícia Federal, essa pessoa vai estudar o programa da Polícia Federal. Assim acontece com o Enem, que hoje é muito direcionado para o processo seletivo nas universidades. No entanto, em comparação com o vestibular tradicional ele é muito superior — acredita.
Segundo ele, o Enem saiu do desenho inicial para se prestar a uma finalidade extremamente importante de seleção nacional.
— Antes, não era incomum ter cerca de 10% de vagas ociosas nas universidades. Hoje, o aluno busca vagas nacionalmente, não olha só para Rio e São Paulo, como antigamente. O Enem mudou para melhor ou para pior? Mudou para algo diferente — analisa.
PRÓXIMO DO DIA A DIA DOS CANDIDATOS
Na opinião de Cleuza Repulho, pedagoga e representante do Movimento pela Base Nacional Comum Curricular, o Enem, assim como todas as avaliações, é passível de transformações, e defende que a prova caminhe na direção de aproximar o conteúdo ao cotidiano dos candidatos.
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— Sempre temos para onde andar. Desde sua concepção até hoje, o Enem foi evoluindo e se ajustando às condições. Hoje o Enem é menos conteudista que outros vestibulares, mas ainda mantém a importância e o peso dos conteúdos. A grande mudança só virá quando tivermos uma Base Nacional Comum, porque ajustaremos a avaliação a ela, e atualmente os ajustes são feitos com base no que a gente gostaria que ela fosse — comenta Cleuza. — Perto do que tínhamos como modelo de vestibular, o Enem foi um passo à frente e precisa continuar evoluindo. Precisamos ampliar as competências avaliadas e aproximá-lo da vida real, daquilo que é importante as pessoas aprenderem.
Em uma educação pontuada por contrastes, o Enem, quando comparado com escolas brasileiras, parece estar adiante. Para a educadora Andrea Ramal, o conteúdo da prova e a maneira como é apresentado aos candidatos, com necessidade de raciocínio lógico e intimidade com a leitura, é mais avançado que o modelo de ensino na maior parte das instituições do país.
— Comparado com o que acontece na maioria das escolas de ensino médio, a prova do Enem ainda está mais avançada pedagogicamente falando porque é interdisciplinar, tem questões contextualizadas. Não são exercícios que caem de paraquedas e o aluno não entende para o que serve. Ajuda a medir não só o conteúdo, mas a capacidade de interpretação e análise crítica do estudante — defende Andrea Ramal. — Poderia ser uma prova melhor mas, perto do que acontece nas escolas, é mais avançada. O Enem é como uma provocação para que as escolas repensem seu ensino.