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Publicado em 19 de fevereiro de 2015 | 5 minutos de leitura

Ensino superior – inclusão ou exclusão?

Ronaldo Mota

Somos um país de 200 milhões de habitantes, sendo que, dos 24 milhões de jovens em idade universitária típica (18 a 24 anos), somente 15% frequentam o Ensino superior. É um dos menores índices entre países de porte econômico semelhante e muito aquém dos principais parceiros ou competidores no cenário internacional. Outro dado que reflete o baixo nível de Escolaridade no Brasil é o número de formados: há 13 milhões de profissionais com título superior, que, somados aos 7,3 milhões de matriculados neste nível de Ensino — supondo que todos se formem —, beiram os 10% do total de cidadãos.

Por tais pontos negativos, o Plano Nacional de Educação, que é lei, estabelece que no Brasil 33% dos jovens entre 18 e 24 anos estejam matriculados no Ensino superior até 2024. Estamos distantes da metade do caminho. A principal fonte de Alunos do Ensino superior deveria ser o 1,8 milhão de formandos. Desses, 1,6 milhão faz o Exame Nacional de Ensino médio (Enem). Por seu lado, 12 milhões de candidatos têm procurado acesso ao Ensino superior a cada ano — 8,7 milhões via Enem, evidenciando que a maioria não é recém-egressa do Ensino médio e busca, anos depois, o retorno aos estudos.

Certamente é limite ao crescimento do número de universitários a baixa quantidade de concluintes do 2º grau e as dificuldades conhecidas dos formados há mais tempo em retomarem os estudos. Se os recém-egressos evidenciam graves deficiências, é natural supor que, para os mais antigos, o afastamento das salas de aula e a falta de tempo para os estudos aumentam as dificuldades. Talvez no item memória, eles sejam prejudicados, mas possivelmente tenham a seu favor, em geral, atitude mais madura, a depender de utilização de metodologias e tecnologias inovadoras especialmente adaptadas a essas circunstâncias.

Uma das maneiras para entender esse cenário seria comparar os rendimentos médios dos dois grupos no Enem. Porém, o exame — em que pesem tentativas anteriores de convertê-lo em mais raciocínio do que mero exercício de memória — tem dado mais ênfase a detalhes conteudistas e especificidades de informações. Dessa forma, resta pouco espaço para raciocínios, lógicas aplicadas e mensuração da capacidade de resolver problemas.

O governo federal, ao adotar, em nome da qualidade, nota mínima no Enem para acesso ao Fies, pode acabar por atingir, ou excluir, os trabalhadores que buscam, no Ensino noturno e na rede privada, concretizar o sonho não realizado na conclusão do Ensino médio. Quanto à real possibilidade de incluir essas pessoas e recuperá-las dentro do contexto do Ensino superior, há estudos que mostram que, em se adotando estratégias apropriadas e um conjunto de disciplinas de nivelamento, os resultados finais desse grupo são equivalentes, às vezes até superiores, aos com deficiências iniciais menores, que não participam do programa de recuperação.

A exemplo de experiência internacional, em trabalho recente, pesquisadores das universidades de Stanford e Harvard trataram das necessidades de estudantes malpreparados. Eles analisaram se disciplinas de nivelamento ministradas no início dos cursos surtiam efeito sobre o rendimento acadêmico posterior. Os resultados obtidos evidenciaram que Alunos que frequentaram disciplinas de recuperação (basicamente matemática e inglês) tiveram melhores rendimentos e, proporcionalmente, desistiram menos do que os demais, com bases acadêmicas anteriores similares.

A partir dessa inspiração, pretendemos estudar se, no Brasil, há significativa diferença em termos de melhoria de aproveitamento e diminuição de abandono quando Alunos passam por disciplinas de nivelamento. Além de recuperar os conteúdos do Ensino médio, o estudante faz intenso uso de novas metodologias e tecnologias, é preparado para o mundo das ferramentas digitais aplicadas à Educação e ao convívio com plataformas de aprendizagem. Ao mesmo tempo, é estimulado ao hábito do aprender a aprender.

O Brasil precisa desesperadamente de desenvolvimento econômico, social e ambiental sustentável. Sem isso, não enfrentaremos nossos desafios, entre eles o de aumento da produtividade, diretamente relacionado ao nível de Escolaridade da população. Especialmente no nível superior, os estudos, em complemento a preparar profissionais para carreiras específicas, contribuem para a melhoria de qualidade de vida ao ampliar o nível de Escolaridade e colaboram para um país mais competitivo e sustentável. Temos que aprender a conjugar escala e qualidade.

Fonte: Correio Braziliense  – 17/02/2015


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