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Publicado em 26 de abril de 2016 | 6 minutos de leitura

Escola privada se sai melhor que pública no Enem até entre alunos de baixa renda

Fonte: Valor Econômico – 25 de abril

Em boa parte dos países há uma correlação forte entre o nível socioeconômico dos estudantes e o desempenho na escola – quanto maior a renda familiar, melhores os resultados nos exames. No Brasil, de acordo com levantamento feito pela consultoria iDados e pelo instituto Alfa e Beto, esse elemento não explica isoladamente as diferenças de performance observadas entre as rede pública e privada de ensino.

Os dados do Enem de 2014 indicam que alunos no último ano do ensino médio, mesmo quando pertencem à mesma classe social, atingem notas significativamente maiores quando egressos de escolas particulares.

 O levantamento tomou como base apenas o ensino estadual, que concentra 84,7% das matrículas dos 8,3 milhões que fizeram a prova em 2014. O desempenho avaliado foi o das escolas, que são hierarquizadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) em sete níveis socioeconômicos, de muito baixo a muito alto, desagregação não disponível nos dados por estudante.

Há uma diferença expressiva entre as médias em todos os degraus, sendo a maior observada entre as escolas com nível socioeconômico médio alto. Enquanto as particulares têm média de 530,69 pontos, as estaduais alcançam 493,48, ou seja, 37,21 pontos a menos. Nas escolas de médio e alto nível, a diferença de desempenho entre a rede pública estadual e a privada nos exames de é de 37,17 e 36,84, nessa ordem.

O tipo de gestão predominante nos dois sistemas pode, para Paulo Oliveira, presidente do iDados, ajudar a explicar as disparidades. “O diretor que tem que prestar conta aos pais, que é cobrado pelos ‘clientes’, é diferente daquele que é nomeado”, afirma. Além da administração menos eficiente, a formação dos professores das escolas públicas – que geralmente tem qualificação inferior à dos pares na rede privada – também contribuiria para o que o levantamento chama de “incentivos perversos” aos alunos com desempenho abaixo de seu potencial.

Priscila Cruz, diretora do movimento Todos pela Educação, pondera que as ferramentas de administração à disposição das escolas privadas muitas vezes não estão ao alcance dos gestores públicos. A rede estadual, exemplifica, está mais sujeita a greves e registra níveis maiores de absenteísmo dos professores, muitos dos quais gozam de estabilidade no emprego. “Tendo isso em vista, a diferença deveria ser até maior”.

Para ela, é complicado atribuir a uma ou outra característica específica o “efeito-escola”, o impacto do  ambiente de ensino descontadas as diferenças socioeconômicas. Infraestrutura, tempo de experiência de professores e diretores, o tipo de regime ao qual os docentes estão submetidos – se parcial ou integral – e a forma de seleção dos alunos são algumas das variáveis que influenciam no resultado.

Oliveira, do iDados, usa os números relativos à rede federal para ilustrar esse último ponto. Para ele, não é coincidência que essas escolas, cujos alunos são escolhidos em geral através de testes, tenham performance no Enem mais próxima da observada no setor privado.

“Há vários fatores, além do NSE [nível socioeconômico], que interferem no desempenho dos alunos, como seleção – que é, via de regra, maior nas escolas privadas -, estabilidade e formação do corpo docente, salário, condições de trabalho e de seleção dos diretores, localização da escola ou mesmo questões relativas às políticas educacionais de cada Estado”, ressalta o pesquisador Rodrigo Travitzki, integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Avaliação Educacional (Gepave) da USP.

Para ele, entretanto, o Enem – por não ser amostral, nem censitário – não é a base adequada para avaliar o sistema educacional brasileiro. Os dados agregados por escola, acrescenta, também são bastante limitados quando se quer tirar conclusões sobre os alunos com base em sua classe social. O ideal, nesse caso, seria usar os números do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Seab).

Outra conclusão do boletim se refere ao volume de recursos investidos no sistema educacional público. Há uma correlação pequena entre os resultados no exame e o custo por aluno de cada Estado – o que indicaria que aqueles entes que gastam mais com educação não alcançaram necessariamente as médias mais altas no Enem de 2014. A correlação é maior, por sua vez, quando se leva em conta o índice socioeconômico, reforçando como classe social dos alunos também influencia no desempenho escolar.

Tanto Priscila, do Todos pela Educação, quanto Travitzki, da USP, ressalvam que há uma série de estudos que apontam que os investimentos em educação surtem efeito sobre os resultados, especialmente em países subdesenvolvidos. Travitzki critica a metodologia usada no levantamento, que leva em conta, por exemplo, o Índice Socioeconômico (ISE) das escolas para calcular o ISE dos Estados – o que comprometeria sua precisão, já que nem todas as escolas estão presentes na base de dados.

“Na minha opinião, tratar esse tema como sim ou não é um equívoco no Brasil. Há necessidade de mais investimentos, mas simultaneamente há espaço para se utilizar melhor os recursos já disponíveis”, diz o pesquisador da USP.

Para Priscila, o sistema não responde aos investimentos porque o modelo do ensino médio é hoje completamente inadequado. “Se você tem um modelo equivocado, o volume de recursos que você direciona para o sistema é irrelevante”, diz. Assim, seria preciso dar continuidade ao debate sobre reformulação do ensino médio, para que os currículos pudessem dar ênfase, por exemplo, às respectivas áreas de maior aptidão dos alunos. Fonte:

 




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