Gabriel e Camila: como os irmãos não se sentiam desafiados pelas atividades extras da escola, a saída foi buscar opções fora, como as aulas de músicaAgência O Globo / Marcos Alves
SÃO PAULO – Aos 9 anos de idade, Bernardo Dias já está na oitava escola. Sua mãe, Ana Paula Amaral do Carmo, conta que muitas delas deram desculpas para justificar a necessidade de troca. Para ela, no entanto, o problema é que não sabiam como lidar com o filho, que, após passar por várias instituições, foi diagnosticado como superdotado.
— Teve escola que me pediu para tirar o Bernardo de lá com a desculpa que ele comia muito lanche. Ele chegou a ser maltratado por uma professora, que não admitia que ele terminasse as tarefas rapidamente e pedia aos coleguinhas para não falar com ele em sala — contou Ana.
Por falta de preparo dos professores para identificar alunos como Bernardo, casos como o dele ainda são comuns em escolas públicas e particulares no Brasil. A boa notícia é que, ano a ano, tem aumentado o número de alunos diagnosticados como superdotados, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), órgão do Ministério da Educação (MEC).
Em 2010, eram 8.851 estudantes superdotados matriculados em escolas públicas e privadas; e no ano anterior, 5.478, ou seja, um aumento de quase 62%. Em 2000, o total era apenas 682.
Segundo a diretora de políticas de educação especial da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) do MEC, Martinha Dutra, o aumento ocorreu porque os professores estão mais aptos a identificar os superdotados.
Em 2005, o ministério criou os Núcleos de Atividade de Altas Habilidades/Superdotação (Naahs) para ajudar na formação de professores e, com isso, saibam reconhecer com mais facilidade os superdotados e também estimular a habilidade e criatividade deles. O MEC criou um núcleo em cada unidade da federação, mas a gestão é feita pelos estados.
— O núcleo treina professores para identificação e desenvolvimento de atividades para os alunos. Mais professores podem estar sabendo como identificar os alunos superdotados — diz Martinha Dutra.
Para o MEC, alunos superdotados ou com altas habilidades são aqueles que “demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes”. Além disso, esses estudantes têm “grande criatividade, envolvimento na aprendizagem e na realização de tarefas em áreas de seu interesse”.
Porém, entidades especializadas em superdotados apontam dificuldades. Para a presidente da Associação Paulista para Altas Habilidades / Superdotação (Apahsd), Ada Toscanini, o problema da formação de especialistas ainda persiste:
— Os professores, de forma geral, ainda não têm formação adequada para identificar os superdotados nem para atendê-los. O superdotado ainda é discriminado, visto como doente, pessoa com problemas nervosos ou hiperativo.
A presidente do Conselho Brasileiro para Superdotação (Conbrasd) — organização não-governamental que reúne profissionais da área e pais —, Cristina Delou, também acredita que ainda há muitos profissionais despreparados.
— Os cursos de formação de professores de graduação não têm conteúdo específico para identificação de superdotados. E quase não existem programas de mestrado voltados para a educação de superdotados — observa Cristina, que é professora e pesquisadora da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Segundo ela, os Núcleos de Atividade de Altas Habilidades/Superdotação (Naahs) só podem formar profissionais que trabalham na rede estadual, deixando de fora os de escolas municipais e privadas. Além disso, destaca, os núcleos, cujas ações são geridas por cada estado, não funcionam a contento, pois não têm prestado atendimento aos alunos e às famílias deles.
Estímulo em laboratórios de universidades
O MEC reconhece que apenas alguns núcleos fazem atendimento direto aos alunos e pais de alunos. Mas o ministério afirma que eles têm monitorado as ações de estímulo à aprendizagem dos estudantes nas “salas de recurso” das escolas públicas, onde os superdotados, assim como as pessoas com deficiência, têm que receber suplementação escolar. Nelas, os alunos devem encontrar materiais e profissionais capacitados para atendê-los no contraturno.
Segundo o Conbrasd, como os superdotados podem ter nível de conhecimento superior ao de professores da escola, o ideal é que eles frequentem laboratórios de universidades para que se sintam estimulados.
Foi o que aconteceu com Kei Sawada, que aos 4 anos de idade já havia se alfabetizado sozinho em português e inglês.
— A escola ficou muito chata para ele. Conseguimos que frequentasse o laboratório de altas energias da UFF. Depois de uns meses, recomendaram que ele fizesse logo o vestibular e ele foi acelerado de série. Ele estava com 16 anos quando passou em primeiro lugar no vestibular de Física na Universidade Federal do Rio — conta a mãe de Kei, Anunciata Sawada.
Mas a aceleração escolar — quando a criança “pula” uma ou mais séries — não é um processo simples. Em São Paulo, por exemplo, mães estão procurando a Justiça para conseguir limitares que permitam esse avanço de série. A Secretaria de Educação entende que o procedimento é irregular, pois ainda não foi regulamentado pelo Conselho Estadual de Educação. Mas, em nota, o conselho afirmou que não precisa regulamentar a questão, pois a Lei de Diretrizes e Bases da Educação já prevê a possibilidade de aceleração.
André da Rocha Domingues, de 7 anos, já tinha sido acelerado quando se viu obrigado a retroceder de série, por determinação da secretaria.
— Em janeiro, fomos informados que ele teria que voltar para o 2 ano do fundamental. E ele voltou. Foi difícil, ele não queria ter que estudar tudo de novo. Meses depois, consegui uma liminar na Justiça, e ele foi transferido para o 3 ano — relata a mãe de André, Cátia Domingues
Fonte: Globo online – 8/04/2012