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Publicado em 29 de maio de 2014 | 13 minutos de leitura

Especialistas discutem a formação do professor

A partir desta edição, a revista Educação Rio inicia uma série de reportagens sobre o professor. O objetivo é discutir as questões que permeiam o dia a dia desse profissional e debater aspectos que podem contribuir para a melhoria do nosso processo educacional. Nesta edição, o tema é a formação de professores. As especialistas em Educação Bertha do Valle e Lia Faria, com a experiência de quem atua em cursos de formação de docentes, falam sobre o assunto.
Os professores também têm vez e mostram sua percepção sobre os cursos de formação e falam das dificuldades que encontram na sala de aula. Nas próximas edições, vamos debater outros aspectos para a valorização do professor.

Excesso de teoria
e pouca prática

Em seu discurso de posse, em fevereiro, o novo ministro da Educação, José Henrique Paim, afirmou que a obsessão de sua gestão será a formação do professor da Educação Básica. Hoje, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) de 2013, existem no Brasil cerca de 2,1 milhões de professores neste segmento de ensino, sendo que apenas 1,4 milhão possuem licenciatura. Os números mostram que é preciso melhorar a formação dos nossos professores. Mas será que a questão é apenas o diploma de nível superior?

Para alguns especialistas, a exigência é crucial, mas é preciso também repensar como é feita essa formação, pois talvez esse seja um “calcanhar de Aquiles” em nosso processo educativo. “Os cursos de formação ainda estão buscando uma identidade neste mundo contemporâneo. Esses últimos 30 anos foram de mudanças aceleradas, não só pela questão da tecnologia, mas também de comportamento social, e isso interfere na forma de criação das crianças e jovens, e a escola ainda não conseguiu se repensar dentro desse contexto. Nosso modelo era para um mundo que não existe mais”, avalia a doutora em Educação Lia Faria.

Professora Lia Faria, especialista na formação de novos docentes

A especialista, que forma professores, pois atua na Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj),  acredita que, muitas vezes, o recém-formado, embora domine bem o conteúdo, não está pronto para assumir uma sala de aula.

“Cerca de 80% dos currículos são compostos por teoria e apenas 20% de prática de ensino, e isso gera uma dificuldade para o recém-formado quando assume uma turma. Às vezes, ele tem um bom conteúdo, mas não sabe como passar para o aluno. Falta a didática, a prática; tem dificuldade para lidar com jovem que fica conectado ao celular o tempo todo e para tratar com essa nova juventude”, diz Lia Faria.

Com a experiência de quem atuou na Associação Nacional pela Formação dos Profissionais de Educação (Anfope) e na Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae), a professora Bertha do Valle também acha que falta preparo para os recém-formados. Para ela, mais do que um estágio curricular seria necessário uma “residência pedagógica”.  “Os cursos têm muito mais teoria do que prática. A obrigatoriedade é de um estágio de 300 horas, e a verdade é que o professor não têm condições de acompanhar como é feito esse estágio. Geralmente, no final o aluno entrega a ficha com as horas preenchidas e pronto. Com isso, o estágio fica prejudicado, o professor não sabe como realmente ele foi feito, se foi proveitoso”, diz Bertha do Valle. Ela defende uma “troca” maior entre as instituições que recebem os estagiários e os professores da faculdade de Educação. “Dessa forma, o estágio seria mais produtivo e as escolas iriam receber profissionais mais preparados. Seria possível discutir como é feita essa formação prática, o que é válido e o que não dá resultado”, destaca Bertha, também  doutora em Educação e especialista em formação docente.

Bertha do Valle acha que falta preparo para os recém-formados

Mas o excesso de teoria pode não ser o único problema. Outro aspecto que compromete os futuros profissionais é exatamente formação daqueles que estão nas salas de aula das faculdades. “É cada vez mais comum nas faculdades professores que seguiram uma carreira acadêmica. Eles fizeram graduação, mestrado, concurso público e tornaram-se profissionais de nível superior. A questão é que vão formar os novos professores sem nunca terem passado por uma sala de aula, sem saber como é a prática de ensino, a realidade de uma escola. Ou seja, falta experiência, e essa é uma questão que deve ser pensada”, lembra Lia Faria. Ela destaca também a violência como fator que afeta o desempenho dos docentes em sala.

“Não preparamos o professor para lidar com a carga de violência que ele encontra. Esse é um aspecto que também deve ser considerado durante a formação, diz.

A professora, que esteve à frente da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro de 1999 a 2001, conta que é grande o número de docentes que são afastados por doenças ou que pedem exoneração devido à violência.

É preciso vocação

A vocação é fundamental em qualquer profissão e no magistério não é diferente, mas a falta de aptidão daqueles que buscam a docência pode ser mais um problema a ser superado.  “Muitos jovens que ingressam nas licenciaturas fazem o curso com o objetivo de conseguir um diploma superior e não de dar aula. Alguns fazem concurso e acabam lecionando, mas isso compromete o resultado”, afirma Lia Faria, que vê na valorização do professor a solução para essa questão.

“Para atrair jovens interessados é preciso valorizar a Educação e o professor. A sociedade tem que perceber a importância desse profissional. É preciso oferecer-lhe condições dignas de trabalho e bom salário. Assim, teremos nos cursos de formação jovens interessados no magistério, vamos atrair aqueles que querem seguir de fato a carreira e encontram nela condições para crescer profissionalmente”, argumenta Lia Faria.

A formação continuada

A formação do professor não termina com o diploma. Para garantir a qualidade é preciso investir na formação continuada, e o profissional não deve esperar pelas escolas ou unidades de ensino para aprimorar seu conhecimento e método de trabalho.  “As escolas podem e devem incentivar a qualificação permanente, por meio de participação em seminários, cursos, workshops. No  entanto, o professor não deve esperar apenas pela instituição. Ele pode buscar por si próprio essa formação para continuar crescendo profissionalmente”, lembra Bertha do Valle. A educadora ressalta, ainda, que a busca por uma educação de qualidade é um desafio das escolas, dos professores e de toda a sociedade, por isso é fundamental estabelecer um diálogo entre escolas, secretarias, conselhos e coordenadorias para discutir não só a formação docente, como a qualidade de nossa educação.

 Como é feita a formação dos professores

A Lei de Diretrizes de Bases de 1996 prevê a obrigatoriedade da formação superior para todos os professores do segundo segmento da Educação Básica e formação mínima de nível médio na modalidade normal superior para os professores que ensinam nos anos iniciais do Ensino Fundamental e na Educação Infantil.

Hoje, para atuar no segundo segmento do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) e no Ensino Médio é preciso ter licenciatura na disciplina ou graduação específica na área mais curso de licenciatura. Já para a Educação Infantil e primeiro segmento do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano), é preciso ter normal superior ou Curso de Pedagogia que forma profissionais para atuar não apenas em sala de aula, mas também como gestor e educador, ou ainda em espaços nãoescolares (empresas, ONGs ou outras entidades) ou como teórico da educação.

Na faculdade de Educação, o currículo é composto por 3.200 horas, sendo 2.800 horas de aulas teóricas, 300 de estágio curricular e outras 100 de práticas enriquecedoras do currículo – atividades de pesquisa.“O tempo de estágio curricular é pequeno. Aqui é onde há a prática de ensino, por isso, deveria ser maior”, alerta Bertha do Valle.

O que dizem os professores

Formada há seis anos, a professora de Filosofia Luciane Lacerda de Assis de Freitas diz que o problema não é apenas o excesso de teoria. Para a professora, a falta de estrutura de algumas faculdades atrapalha a formação.  “Às vezes, o professor chega em sala e não sabe usar o data show, não sabe lidar com a dinâmica de uma sala porque não trabalhou com isso na faculdade. Muitos cursos não oferecem condições para que o professor aprenda a desenvolver aulas atrativas. É preciso oferecer recursos para uma boa formação”, diz Luciane Freitas, que fez pós-graduação em docência do ensino superior.

“O professor deve dominar o conteúdo e buscar sempre atualizar sua formação, já que hoje as coisas mudam muito rápido. Além disso, é preciso ter vocação para saber passar o conhecimento. A falta de aptidão para a docência é um grande problema no ensino”, avalia Luciane.

Recém-formada em pedagogia e regendo sua primeira turma de Educação Infantil, Josie da Silva diz que boa parte do aprendizado vem com a prática. “Aprimoramo-nos no dia a dia.  A realidade de uma sala é complexa e ágil, e os cursos não nos preparam para essa vivência”. Josie iniciou sua formação no Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (Iserj) e concluiu o curso em uma faculdade de educação.

“Tive que mudar por questão de tempo, mas acredito que a formação do Iserj, por ter uma tradição de curso normal, no caso das séries iniciais, prepara mais para o dia a dia de uma escola, de uma sala de aula. Há muito mais prática do que nos cursos das faculdades”, diz a professora.

Josie destaca a importância da qualificação constante. “Cabe ao profissional manter-se atualizado, mas as escolas podem e devem incentivar”.

Para quem nunca deu aula chegar em uma escola e entender a dinâmica do novo ambiente profissional pode ser um desafio. Foi isso que aconteceu com a professora Ana Maria Gomes. “Já tinha me formado há alguns anos quando ingressei no magistério. Nunca tinha dado aula ou trabalhado em uma escola. Cheguei lá e fui dar aula. Ninguém me explicou como funcionava a dinâmica de um professor, como preencher um diário, a importância dos Conselhos de Classe”, afirma a educadora.

Ana Maria conta que levou tempo para se adaptar. “Dava aulas de forma independente, sem trocar experiência com colegas da disciplina. Em qualquer empresa, quando chega um funcionário novo, alguém explica o trabalho. O docente quando chega deve saber de tudo. Não sei se essa realidade se repete em todas as escolas, mas é um desafio para o trabalho do professor. A faculdade não me preparou para essas questões prosaicas – fundamentais para garantir o resultado”, explica.


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