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Publicado em 15 de janeiro de 2015 | 4 minutos de leitura

Falência intelectual

 

Thiago Mourão

De cerca de seis milhões de participantes, 250 conseguiram nota máxima na redação do Enem 2014. Não é possível que este placar não nos mostre de uma vez por todas que estamos falidos. Intelectualmente falidos. O fechamento, por falta de verba, do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, é prova irrefutável da nossa falência.

Enquanto insistirmos num sistema padronizador, em vez de um sistema diversificador, teremos deste placar para baixo. Enquanto a educação brasileira for pensada como um “X” que se marca no vestibular, continuaremos formando jovens sem grandes capacidades de desenvolvimento de ideias através da escrita e, muito provavelmente, através da oralidade. É na escrita, no ato de escrever e de ler, que pensamos sobre nossas ideias, nas causas e consequências dos pensamentos que, unidos, formarão uma opinião, da opinião um conhecimento e do conhecimento um cidadão profissional, pai de família, pensador do seu tempo e ciente do seu papel social.

Nosso sistema é um grande trator de ideias e talentos. É defasado e isso sobressai quando a Secretaria municipal de Educação do Rio de Janeiro orgulhosamente distribui um cartaz que mostra uma fila de carteiras escolares, em uma esteira de fábrica com o slogan: “Nossa linha de produção é simples: construímos escolas, formamos cidadãos e criamos futuros”.

Não é simples dar educação de verdade. A educação não é linear, não pode ser de cima para baixo. Ela começa com a liberdade de seus pensadores, pela segurança de estabilidade profissional e valorização dos salários e benefícios, com instrumentos, caminhos e passagens livres para que estes condutores do futuro, pedagogos e professores, possam experimentar e criar uma educação de fato a quem mais interessa e se destina: o jovem.

É preciso que as escolas sejam pontos de cultura, de ideias, de aprendizados diferentes. Federalização e ensino integral somente não resolverão nada. A escola precisa ser um potencializador de divergências, de criações, de expressões. Há algo muito errado quando uma escola se preocupa mais com a calça rasgada ou com a falta de uniforme (que palavra tosca!!!) do que com as ideias e experiências que o aluno traz na mente.

A escola não pode ser um caixote odiado pelos alunos, para onde se vai para competir quem tirou a maior nota em Matemática ou quem ficou em menos ou mais recuperações. Quantos “xis” foram mais assertivos?

A escola deve ensinar ao aluno o amor ao conhecimento, ao seu próprio talento, à sua humanidade transformadora, ao seu espaço individual, que sempre se confunde com o do outro. A sua capacidade de pensamento. O aluno deve ter clareza de que é capaz de formular ideias e que ideias, em conjunto, formam uma convivência e a convivência, uma sociedade.

O Enem e os resultados das redações são o xeque-mate da falta de capital intelectual nos centros de ensino brasileiros. É o grito de quem sabe qual sua carência, mas não consegue pautá-la racionalmente.

Thiago Mourão é escritor

Fonte: O Globo – 15/01/2015


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