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Publicado em 05 de novembro de 2014 | 9 minutos de leitura

Formação docente e a educação das novas gerações

Simone França*

As transformações sociais, econômicas e políticas pelas quais o nosso país atravessa afetam diretamente a educação e as propostas formuladas que norteiam as nossas escolas. Distante de querer discutir os entraves propostos por essas mudanças, este artigo trata de como esse setor tem se moldado para atender as novas gerações que chegam às salas de aula e de que modo o mercado de trabalho interfere diretamente nessa organização.

Não podemos falar em educação sem considerarmos a cultura para a qual, e na qual, o processo educativo ocorre. A educação não é autogerada. O sujeito que se educa — o educando — necessita de sujeitos que o eduquem — os educadores. Isso significa afirmar que a educação é um processo de integração na cultura, em que estão envolvidos os que já sabem e os que precisam saber dela para poderem participar do movimento contínuo de recriação e transformação cultural. A verdadeira educação ensina para os que já existem e para os que virão a ser. Considerando essa assertiva, podemos questionar: para qual futuro estamos preparando as novas gerações?

Há mais ou menos quarenta anos, o caminho que as crianças percorriam em seu processo de civilização, de descoberta e reconstrução do meio sociocultural em que nasciam, acontecia num espaço ocupado por duas instituições: a família e a escola. À primeira, ficava reservada a maior parte da formação social: aprender a viver em sociedade. Já à segunda, impunha-se como espaço institucionalizado de formação do futuro cidadão: espaço de aprendizagem dos conteúdos formais/culturais, construídos pelos homens em sociedade, por meio da história.

Em casa e na escola, a criança se formava para ser um cidadão no futuro. Nesse contexto, a maioria das crianças entrava para um colégio aos sete anos. Com o recrudescimento da industrialização e do aumento acelerado das populações de área urbana, essas transformações alteraram o ritmo de vida das famílias, mudando os costumes e, por sua vez, gerando consequências expressivas na educação.

Estamos, assim, às voltas com as demandas expressivas do novo capitalismo, em que uma nova ordem de formação e de organização social se apresenta com a impossibilidade dos pais construírem, na atual sociedade, uma narrativa coerente para a própria vida, acabando por modificar a rotina doméstica e por transferir para a escola aquilo que, anteriormente, era papel familiar.

Enquanto boa parcela dos pais permanece ocupada com as decisões cruciais sobre a viabilidade financeira da família, crianças e jovens preenchem o seu tempo sozinhos, com atividades passageiras, circunstanciais, superficiais, quase sempre privados da participação daqueles que poderiam ajudá-los a desenvolver virtudes e habilidades estáveis como autorregulação, persistência, confiança e ajuda mútua.

Muitos pais e mães se declaram exaustos e incapazes de corresponder às demandas feitas pelos colégios em relação à participação nas atividades que envolvem a educação dos filhos. Parece, então, que essa deixou de ser hoje uma simples questão de opção… Estamos todos a ser governados pela realidade social em que estamos inscritos. Pais e filhos são impelidos para tarefas, atividades e decisões em relação às quais não há muita possibilidade de escolha.

Diante de tal quadro, perguntamos: sobre quais alicerces estão sendo formados os valores éticos das novas gerações? Se a organização familiar está à mercê da organização do tempo imposto pelo trabalho, e, se o papel da família na formação dos sujeitos está sendo assumido por elementos externos, como construir relações estáveis?

Nesse sentido, o sociólogo Richard Sennett (2001) afirma que o novo capitalismo afeta o caráter pessoal dos indivíduos, quando os impossibilita de construir uma narrativa linear de vida, que tem por base a experiência, quando questiona: “…Como se pode buscar objetivos de longo prazo numa sociedade de curto prazo? Como se pode manter relações duráveis?”. Para Sennett, esse é o grande desafio que as pessoas, sobretudo as famílias, no contexto atual, têm que enfrentar.

A escola, como uma instituição social, não está desvinculada das transformações pelo qual passa o mundo globalizado e isso inclui, sobretudo, a relação com os indivíduos que a constituem. Nesse grupo de indivíduos, encontra-se o professor, que não está mais limitado à sala de aula. Ele é visto como um sujeito comprometido com a transformação social, o que implica uma mudança de postura do educador e da sua prática.

A postura do educador diz respeito à explicitação de sua posição frente ao mundo. Sendo assim, não podemos deixar de questionar em que medida a relação professor/aluno vem se configurando neste contexto de reinvenção do tempo e das próprias instituições.

O trabalho do professor não pode está firmado em propostas de curto prazo. Prescinde do entendimento de que o ato de educar, por si só, é uma ação a longo prazo. Sobretudo quando estamos lidando com uma realidade social/familiar que implica sobre o agir docente de prática consciente, de caráter transformador.

Nesse aspecto, não há como subsidiar uma ação educativa sem investir fortemente no caráter formativo. O entendimento de como a escola hoje se configura e sua relação com o capital e o mundo globalizado está diretamente relacionada com a formação do sujeito que age na construção do saber de outros sujeitos. É importante destacar que o enfrentamento da atual realidade em que a educação se insere, não implica somente a alteração de certas práticas docentes, mas, sobretudo, requer uma mudança do entendimento da finalidade da educação. Vasconcellos (2001) ressalta que “a prática pela prática não resolve. Não adianta o professor fazer uma série de atividades diferentes se não mudou sua postura, pois serão simulacros e não uma autêntica obra, uma vez que fará o novo com espírito de velho”.

Tão importante quanto a educação para o conhecimento formal, espera-se atualmente, que a escola também forme para a vida social. Assim, amplia-se o entendimento de que a formação docente não perpasse unicamente pela base conceitual/curricular. Aprender a lidar com os alunos em seu cotidiano implica o entendimento de que os laços de lealdade, domínio e fraternidade são vitais para o funcionamento de uma sociedade e de suas instituições, assim como aprender a se autorregular para entender os seus limites e possibilidades de avanço. Sennett (2001) ressalta, ainda, que os laços afetivos têm consequências políticas e muitas vezes unem as pessoas em função de seus interesses.

Portanto, ao entender que o trabalho pedagógico é, sobretudo, um ato político, o papel da escola e do professor também se constitui em outro desafio: o de formar pessoas de caráter em meio a uma sociedade cada vez mais individualista e sem perspectivas a longo prazo, onde se encontram muitos filhos órfãos de pais vivos.

* Simone França é Pedagoga e Mestre em Educação, Consultora Educacional e Coordenadora Pedagógica do Colégio Sion – RJ

simonefranca@francaeducacional.com.br 

  

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

SENNETT, Richard. Autoridade. Rio de Janeiro: Record, 2001.

________. A corrosão do caráter. Rio de Janeiro: Record, 2000.

VASCONCELLOS, C. Para onde vai o professor? Resgate do professor como sujeito de transformação. São Paulo: Libertad, 2001.

SINAY, S. A sociedade dos
filhos órfãos
. São Paulo:
Best Seller Ltda.


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