Fonte: www.oglobo.com.br – 10/8/2015
POR PAULA FERREIRA
RIO – Três meses após assumir o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão responsável pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a professora Maria Inês Fini afirma, nesta entrevista, que pretende reformular a abordagem da prova, principal porta de entrada no ensino superior do país. Doutora em Educação e pedagoga, ela participou da criação do Enem, em 1998, no governo de Fernando Henrique Cardoso, mas critica o concurso atual, dizendo que o exame se tornou uma réplica do vestibular com uma “lista de conteúdos”. A presidente do Inep quer um Enem com questões mais calcadas em competências cognitivas, na interpretação e resolução de problemas. Mas a professora, que voltou ao órgão depois da posse do presidente interino, Michel Temer, garante que as mudanças só devem ocorrer no futuro (“se eu ficar aqui”, diz ela). Ou seja, os candidatos não serão surpreendidos na edição deste ano, dias 5 e 6 de novembro. Por outro lado, Maria Inês elogia os benefícios sociais atrelados à prova pelo governo petista, como o Sistema de Seleção Unificada
Quais seus principais objetivos na direção do Instituto?
A ideia é a fortalecer as equipes internas ainda mais, para aprimorar os sistemas de coleta de informação. Temos importantes parcerias com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a Unesco e outros organismos internacionais que reúnem estatísticas e permitem compará-las. Temos grandes lições para aprender com trabalhos internacionais e vamos ter agora o impacto da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC, em fase final de desenvolvimento), o que tem um significado muito amplo, porque só podemos avaliar aquilo que é ensinado. A partir da base, vamos ajustar nossas referências de avaliação.
Quando será divulgado o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que reúne as notas das escolas, municípios, estados e do Brasil referentes ao ensino?
Na segunda semana de setembro, mas o calendário depende da confirmação pelo ministro (da Educação, Mendonça Filho). Até o momento tivemos acesso ao resultado da Prova Brasil, depois usaremos as taxas de aprovação e evasão para calcular o Ideb. Isto está sendo feito em ritmo bastante acelerado, mas dependemos de cada município para fazer a consolidação dessa etapa final. Do ponto de vista do rendimento (na Prova Brasil), o resultado é positivo, mas para o cálculo do Ideb temos que ver o fluxo (reprovação e evasão).
Alguns especialistas acreditam que a crise econômica pode afetar os indicadores de qualidade da educação brasileira. Qual sua opinião?
Não acredito que os resultados serão prejudicados. Tivemos uma gestão inadequada dos recursos públicos. Em meados de setembro lançaremos o “Education at a glance”, feito pela OCDE, e mais uma vez o Brasil aparece como o terceiro país do mundo que mais investe em educação. É lógico que temos um número de alunos muito grande para atender, mas os gastos precisam ser bem geridos para produzir os resultados que esperamos. O que houve foi uma dispersão de bons recursos para educação. Temos que rever os investimentos e fazer boa gestão. Por exemplo, temos bolsas diferentes para os professores, mas não temos nenhum resultado de avaliação positiva dos alunos a partir dessas bolsas concedidas. Os professores têm que ter bolsas? Sim. Têm que ter apoio? Sim. Mas isso obrigatoriamente tem que se reverter em melhoria de aprendizado.
Vocês pretendem instituir alguma nova avaliação de desempenho para os professores?
Temos dispersos mais de 20 programas de formação de professores, alguns até associados a bolsas. O que está se fazendo agora é um grande esforço de unificar esses programas, até pela discussão sobre a Base, que dará clareza sobre o que o aluno tem o direito de aprender em cada série e ciclo. E teremos, então, uma linha de formação de professores em função dessa Base. Antes da avaliação, a formação.
A senhora participou da criação do Enem, em 1998. Dezoito anos depois, qual a sua avaliação sobre o exame?
Quando criamos o Enem, havia muita identificação com um conceito de aprendizagem amplo que trabalhava com um processo cognitivo superior, resolução de problemas. A partir de 2009, o modelo se tornou mais parecido com o vestibular tradicional, avaliando mais conteúdo que habilidades e competências cognitivas. Na verdade, hoje, no Enem, não se avalia o ensino médio. O Enem foi transformado de processo qualificatório para classificatório, usando-se, para isso, uma lista de conteúdos por disciplina. É o modelo do vestibular tradicional, que precisa excluir pessoas, em vez de qualificá-las.
E o que a senhora pretende fazer?
Agora temos a reforma do ensino médio por aí. Teremos um projeto de lei para modificar a estrutura e a arquitetura desse segmento escolar, o que vai ter um impacto sobre o Enem. Você está falando com a pessoa que trouxe para o Brasil uma maneira diferente de olhar para o ensino médio. Não posso achar que as mudanças ocorridas no Enem são positivas. Acho positivos, sim, os inúmeros benefícios concedidos associados ao resultado no Enem: o Prouni, o Fies, o Sisu. Enquanto eu estiver no Inep, qualquer modificação não deve interferir nesses direitos já conquistados. Mas o exame e a maneira como está estruturado eu não aprovo.
O Enem ainda tem caminhos a percorrer? Quais?
O projeto de lei sobre a reforma do ensino médio diz que teremos divisão em áreas do conhecimento, que não terá apenas um modelo como é hoje. Dependendo disso, o Enem terá que se transformar. Espero que nesse momento possamos valorizar as estruturas de inteligência dos nossos jovens, e não apenas a capacidade de retenção na memória. Vamos elaborar uma prova de qualidade e oferecer para as universidades usarem como processo ou parte do processo de acesso ao ensino superior. Mas deixando claro que Enem deste ano ainda não é o Enem da professora Maria Inês Fini. Todos associam minha volta para minha casa, que é o Inep, diretamente à mudança do Enem. Mas é importante dizer que ainda não haverá mudança este ano.
Como serão essas mudanças?
Temos que valorizar a resolução de problemas. Ver se eles são capazes de transformar informação em conhecimento e respeitar o raciocínio lógico.
Depois de muitos tropeços, o Enem transcorreu sem maiores problemas nos últimos anos. A mudança de governo pode influenciar de alguma maneira na realização do exame?
A operação está mantida com a mesma qualidade, as mesmas pessoas envolvidas, os mesmos colaboradores e aplicadores. A estrutura que foi deixada aqui é muito boa e foi mantida em toda sua extensão. Estamos preparados para transcorrer com a maior normalidade.