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Publicado em 19 de setembro de 2016 | 5 minutos de leitura

lano curricular expõe temas filosóficos desde a infância

Fonte: Folha S. Paulo – 19/09/2016 

ROGÉRIO ORTEGA

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

 

O capítulo que trata do ensino de filosofia no projeto da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) já começa começa questionando –muito filosoficamente– o que é filosofia.

 

“Não há como definir ‘filosofia’ sem simultaneamente perguntar pela suficiência da definição proposta. Justamente essa dificuldade aponta para algo de essencialmente filosófico: a vocação interrogativa”, diz, na página 166, o documento divulgado pelo governo federal em maio deste ano e ainda sob discussão.

As perguntas sobre a natureza e o escopo da filosofia, como se sabe, são mais antigas que o grego Platão (428/427 a.C.-348/347 a.C.), figura fundamental da tradição filosófica do Ocidente. São portanto, bem anteriores à transformação da matéria em disciplina obrigatória no ensino médio do país, a partir da lei 11.684/2008. É um debate interminável.

 Considerando todos esses séculos de discussão, o texto do projeto da BNCC se sai bastante bem tanto na caracterização da natureza da disciplina –aberta, especulativa, fazendo fronteira com diversas áreas ou mesmo “invadindo” regiões próximas– quanto na definição do que deve ser ensinado nessa etapa de aprendizado, bem como na divisão das unidades curriculares em três “grandes temas”.

Tudo isso de modo sucinto e com baixo teor de jargões, à semelhança dos capítulos sobre o ensino de sociologia (embora os quatro parágrafos da “estrutura do componente na educação básica”, nas páginas 166 e 167, sejam repetidos lá adiante, na base do control C + control V).

 Acertadamente, o documento mostra como “questões filosóficas” estão na vida dos estudantes desde a educação infantil –”por exemplo, quando os professores tratam com as crianças da socialização dos espaços comuns por meio de regras de convivência e de jogos, aprendizagens que, mais tarde, serão revisitadas no estudo filosófico da ética e da filosofia política”.

Chamar a atenção para isso, diz o texto, tem o objetivo de “facilitar uma inserção mais orgânica e integrada do componente no currículo escolar” (ou seja, fazer com que os adolescentes entendam que a filosofia não é uma conversa tão extraterrestre).

CONTATO DIRETO

 O padrão do projeto da BNCC, igualmente seguido aqui, é não indicar leituras obrigatórias para os alunos do ensino médio, mas sugerir o “contato direto com textos filosóficos” como uma entre várias possibilidades didáticas.

O texto também diz explicitamente ser “mais propositivo” que o dos Parâmetros Curriculares Nacionais, mas mais aberto que o das Orientações Curriculares Nacionais, dois documentos que o antecederam (o primeiro de 2006).

 “Os objetivos de aprendizagem (…) estão organizados de modo que professores e escolas tenham margem autoral, temática e metodológica para organizar-se”, afirma.

 Por fim, as unidades curriculares da matéria são três idealmente, imagina-se, uma em cada ano do ensino médio. A primeira introduz “o pensar filosófico, seus caminhos e culturas”. A segunda, “opinião, discurso e conhecimento”, alude já no título aos conceitos de “doxa” (opinião) e “episteme” (conhecimento verdadeiro) da tradição platônica. A última, “condição humana e responsabilidade pelo mundo”, vai da comparação entre a ética e outras formas de regulação da conduta –como o direito– aos embates sobre o sentido da vida e da morte.

Assuntos pesados, sem dúvida, em qualquer época, e não apenas para quem prefere ficar nas redes sociais. Ao fim e ao cabo, tudo dependerá da capacidade dos professores de interessar os alunos nesses assuntos e de sua boa formação, sempre a parte mais difícil quando se trata do ensino brasileiro.

A BNCC faz o que é possível para balizar as escolhas didáticas –e, no caso específico da filosofia, cumpre aquilo a que se expõe.

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