Em vigor desde fevereiro, a lei 13.185/2015 institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (bullying) e determina como dever das escolas, dos clubes e das agremiações recreativas assegurar medidas de conscientização, prevenção e combate à violência e à intimidação sistemática. Com a medida, o programa de prevenção e combate ao bullying e ao cyberbullying deve fazer parte do projeto político e pedagógico das escolas, que precisam realizar ações para evitar esse tipo de comportamento.
A lei não tem caráter punitivo, e sim preventivo, com o objetivo de gerar mudanças de comportamento. A ideia não é punir os agressores, mas privilegiar mecanismos e instrumentos alternativos para combater a prática. A advogada e especialista em Direito Digital Patricia Peck Pinheiro destaca que o que muda para as escolas é que agora elas são obrigadas a realizar campanhas de prevenção ao bullying e cyberbullying e a capacitar os professores e a equipe pedagógica para identificar e lidar com essas situações:
– A não realização dessas ações pode ser vista como uma prova de negligência. A escola deve relatar os casos ao Conselho Tutelar. Caso não faça a denúncia, estará sujeita à multa e à infração administrativa.
Todos os casos devem ser relatados, mesmo aqueles ocorridos fora da instituição de ensino:
– No caso de uma criança que chega à escola cheia de hematomas e o professor percebe, a escola deve avisar à família e dizer que vai informar ao Conselho Tutelar porque há uma lei que a obriga a fazer isso. Do contrário, a escola pode ser responsabilizada pela omissão. Não cabe ao colégio punir, mas avisar, dar ciência do fato e exigir uma ação da família – esclarece a especialista.
Outra novidade estabelecida pela lei é que agora as secretarias de educação deverão gerar relatórios bimestrais sobre o problema. A medida representa um progresso, já que hoje não existem estatísticas sobre a situação. O objetivo é que com mais informações seja mais fácil diagnosticar os casos e elaborar medidas de prevenção.
Para Patricia Peck Pinheiro, a lei vai ao encontro do desejo da sociedade por informações e mostra que é importante falar sobre esse tipo de violência, que tem maior incidência entre jovens de 8 a 16 anos, e pode ter consequências na vida adulta. “É preciso combater a cultura da piada, do engraçado. Mostrar que só tem valor quando é engraçado para todos e não apenas para um determinado grupo. O cyberbullying é ainda mais problemático que o bullying. O judiciário entende que é mais grave por ser mais amplo e deve ser combatido com o mesmo rigor”, explica Patricia.
Especialista diz que é preciso cuidar da rede de relações
A psicóloga e consultora Maria Tereza Maldonado, autora do livro “Bullying e Cyberbullying – o que fazemos com o que fazem conosco” (Editora Moderna), também vê a lei como um avanço e deixa claro que o problema não é apenas das escolas. Para Maria Tereza, no caso das instituições de ensino, as ações de prevenção devem envolver a comunidade de alunos, a equipe de profissionais (professores e funcionários) e familiares. “É preciso sensibilizar todos para adotar medidas capazes de restaurar relacionamentos. Cada instituição tem sua realidade e deve montar o seu programa. É preciso iniciar com atividades de prevenção e diagnosticar se há casos de constrangimento. Em caso afirmativo, é preciso elaborar estratégias de intervenção para a situação específica, fazer o monitoramento e o acompanhamento da situação”, explica.
A especialista destaca que em situações de bullying não basta “olhar” apenas para o agressor e para a vítima. Segundo ela, é preciso cuidar da rede de relações inserida no problema. Nesse contexto, o papel da chamada plateia – que não bate, não apanha, mas assiste a tudo – é decisivo. “Há a plateia omissa, que vê a situação e não faz nada e a plateia colaboradora, que estimula essas ações e faz com que elas floresçam. Precisamos transformar essas plateias em plateias inibidoras, que são aquelas que recriminam, repreendem essas atitudes. Elas são fundamentais para acabar com esse comportamento”, argumenta.
O cyberbullying, também previsto na lei, é considerado ainda mais cruel pela especialista porque a perseguição é implacável. “No caso do bullying, acontece na escola, no horário escolar. Já o cyberbullying é o tempo todo. A vítima é atacada por mensagens de celular, filmada ou fotografada secretamente em situações constrangedoras que podem ser divulgadas para milhares de pessoas. O constrangimento é muito maior”, constata Maria Tereza, que escreveu sobre o tema em seu livro “A face oculta – uma história de bullying e cyberbullying”.
De acordo com a psicóloga, é preciso trabalhar valores fundamentais como: respeito, solidariedade, colaboração e gentileza; o que pode ser feito por meio de livros, teatro e música. “A escola não deve trabalhar apenas com o conteúdo. É preciso atentar para a inteligência de relacionamentos e não apenas para a competência técnica. Temos que preparar nossos jovens para viver em harmonia”, conclui Maria Tereza.