Fonte: www.porvir.org
Por Vinícius de Oliveira
Com a missão de apoiar políticas públicas e fornecer aconselhamento técnico a gestores, a Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas inaugurou nesta segunda-feira (28) o CEIPE (Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais).
No comando da iniciativa estão Cláudia Costin, professora de Harvard e ex-diretora do Banco Mundial, e Rafael Parente, fundador da Aondê Educacional (Conecturma) e diretor-fundador do LABi (Laboratório de Inovação Educacional). A organização vai contar com a parceria da Universidade de Harvard e do Instituto Brookings, também dos Estados Unidos.
Para entender como será a atuação da nova entidade, o Porvir conversou com Cláudia Costin, que analisou o cenário da educação brasileira e como políticas públicas podem ser formatadas para impulsionar o aprendizado. Ao mencionar como a formação de professores precisa de atenção, Cláudia explica que mesmo alunos de escolas particulares de elite têm desempenho insatisfatório no PISA (sigla em inglês para Programa Internacional de Avaliação de Alunos) quando comparados com a média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Diante dessa situação, a professora de Harvard diz que eventos de cunho motivacional pouco resolvem. “Eventualmente pode deixar o professor motivado, mas dois dias depois isso já não funciona mais”, diz. Em lugar disso, propõe trabalho colaborativo e implementação de programas que favoreçam a troca de experiência entre professores.
Por fim, Cláudia critica a Medida Provisória para a reforma do ensino médio e afirma que o MEC (Ministério da Educação) tem muito a ganhar caso abra espaço para o diálogo com os estudantes. “Não seria simplesmente para uma palestra, mas para ouvir quais são as principais questões que os inquietam. Eu tenho certeza que os dois lados vão poder aprender muito se isso for feito”.
Leia a entrevista abaixo:
Porvir – Como vai funcionar o Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais?
Cláudia Costin – Normalmente, um grupo de pessoas trata de inovação e outro grupo de equidade e melhoria da aprendizagem. A linha de reflexão tanto minha quanto a do Rafael Parente é de juntar as duas coisas e não fragmentar abordagens que precisam trabalhar juntas. Hoje, crianças e adolescentes do Brasil têm um desempenho muito fraco no PISA, o que ou evidencia uma aprendizagem precária e a impossibilidade de analisar esses fatores isoladamente, só excelência e equidade ou, por outro lado, só inovação. Não faz sentido. E não é inovar por inovar. É inovar associado a uma educação integral da criança e do adolescente. Tampouco ou socioemocionais ou cognitiva. São as duas coisas. Tampouco é simplesmente enfatizar a aprendizagem e dizer que só quando tiver melhorado é que vai inovar. Tem que construir um processo que integra as duas questões. Por isso que foi colocado esse nome por dentro, centro de excelência e inovação em políticas educacionais. O nome de políticas educacionais está associado à ênfase que será dada à educação pública e como é que se consegue desenvolver uma estratégia de excelência em inovação para todas as crianças.
Porvir – Qual será o foco: gestões ou ações na ponta do sistema, diretamente com escolas e professores?
Cláudia Costin – Elas têm que chegar na ponta. É interessante porque muitas vezes… eu estava falando de fragmentação há pouco… a escola é pensada como uma ilha, isolada em si mesma ou da comunidade. Eu acho que inovador é pensar redes de escolas. Uma escola no mesmo território que conseguiu superar dificuldades apoiaria uma outra que ainda vive situação parecida e não descobriu um caminho. É você parear e colocar escolas como madrinhas umas das outras para trabalharem juntas, construindo sinergias em uma visão de rede. Quando se fala em políticas educacionais, o foco é realizar aconselhamento técnico de políticas públicas a prefeitos e governadores. É também trabalhar as secretarias, a escola e grupos de escolas no mesmo território, além dos professores, principais agentes de transformação da educação.
Porvir – Olhando para o que acontece hoje na educação brasileira, é possível dizer qual questão merece ser priorizada?
Cláudia Costin – Não existe uma bala de prata, uma solução única, mas há algumas áreas prioritárias e a gente vai trabalhar muito a formação de gestores e de professores. E na formação de professores, teremos duas linhas. Uma vai tentar influenciar as universidades que ainda oferecem um currículo que não enfatiza a prática e é muito centrado em fundamentos da educação, com tempo reduzido para prática, especialmente nas licenciaturas específicas como biologia, matemática, etc. Nelas, o professor recebe três anos e meio da disciplina, um semestre com um pouquinho de história, filosofia e sociologia da educação, mas nenhuma didática específica e muito pouco sobre desenvolvimento dos adolescentes ou como incluir um aluno com deficiência. A outra linha é a de formação continuada em serviço e como usar melhor esse pouco tempo que o professor tem disponível.
Porvir – Em uma das publicações lançadas na inauguração do CEIPE, é mostrada a experiência de Jacareí (SP) com um programa de formação de coordenadores pedagógicos. De que maneira ela absorve boas práticas internacionais?
Cláudia Costin – Cada contexto é único, mas a possibilidade de olhar para o que os outros fazem e imaginar se isso funcionaria no Brasil é muito rica. Eu me lembro de um documento feito pela pesquisadora egípcia Mona Mourshed, da (consultoria) Mckinsey, que observou que redes de sucesso adotam estratégias educacionais distintas. Um sistema de escolas como o brasileiro, que está com o nível de aprendizagem muito fraco, normalmente, para poder evoluir, tem que adotar um conjunto de intervenções diferente do que provavelmente Xangai vai usar. No entanto, existem algumas pautas que são comuns em qualquer estágio. Uma delas é definir com clareza quais são os requisitos para o professor nos processos de seleção e que características esse professor deve ter. Uma outra coisa que a gente pode constatar é que colocar todo mundo em um mega-auditório para curso com palestras motivacionais eventualmente pode deixar o professor motivado, mas dois dias depois já não funciona mais. Em vez disso, devem ser adotados processos colaborativos de planejamento, de estudo conjunto, de observação do trabalho de outro professor em sala de aula e com liberdade para comentar no grupo o que se viu. Isso funciona em qualquer etapa. Estive recentemente em Xangai e visitei muitas escolas e salas de aula. O que observei lá é que os professores assistem muito às aulas uns dos outros como estratégia de aprendizagem continuada em serviço. Eles têm espaços para reuniões de colaboração e um escritório para um trabalho individual do professor dentro da escola para que um possa interagir com o outro e assim os dois aprenderem. O que Jacareí desenvolveu — eu não fazia parte do LABi naquele momento – é aproveitar essas experiências e olhar com atenção o que pode nos ajudar, porque a formação de professores está muito fraca. É só olhar para o que acontece nas escolas privadas. Eu olhei os dados do PISA e segreguei por classe social, por nível de renda da família do aluno. Se considerarmos os 25% mais ricos da amostra do Brasil no PISA, eles se saem pior do que os jovens de mais baixa renda da OCDE.
Porvir – Então é um problema de modelo educacional?
Cláudia Costin – Mais do que isso. Vamos combinar que os 25% mais ricos no Brasil provavelmente estão estudando em escolas privadas e provavelmente nas melhores, que podem contratar e demitir professores como quiserem, que podem ter um sistema de ensino com metodologia estruturada… A única coisa parecida com o modelo público são os professores. Muitas vezes, o professor que dá aula na escola pública é o mesmo da escola privada de bom nível, porque como a aposentadoria é com salário integral, os melhores vão trabalhar nas redes públicas, com pouquíssimas exceções. Quando se olha para isso, observa que o problema está em como a universidade prepara o professor para o seu desafio de ensinar. E isso pode ser aprimorado, não é impossível de ser feito.
Porvir – A conversa sobre Xangai antecipa a próxima pergunta. Que exemplos de inovações a senhora acompanha em Harvard ou mesmo na época do Banco Mundial que valem a pena observar?
Cláudia Costin – Primeiro essa abordagem, que não é nem tão nova, mas que tem sido adotada em várias experiências inovadoras mapeadas pelo MEC (Ministério da Educação) que é a de educar a criança de forma integral. É retomar uma ideia que havia na origem, só que feita de uma forma diferente para não dissociar o cognitivo do socioemocional no processo educacional com uma pedagogia que engaje muito mais o aluno e seja muito mais centrada nele. E a possibilidade de avaliação formativa pode tornar o processo muito mais personalizado. Isso é factível, não é fácil, mas tem caminhos para se chegar lá. Dá para avançar nessa direção porque hoje a tecnologia permite isso. Se você pensar na educação da nobreza nos séculos 17 e 18, a criança e o jovem tinham um preceptor. Era personalizado. Quando a gente partiu para a educação de massa, adotou um modelo fabril. Você consegue retomar o que havia nos séculos passados com personalização e usando as novas tecnologias. Quando se tem um processo de avaliação formativa que identifique claramente quais são os déficits de aprendizagem de cada criança e jovem, você consegue personalizar a educação. No Rio, experimentamos isso na Rocinha, no Gente (Ginásio Experimental de Novas Tecnologias Educacionais). Dá pra fazer, mesmo em uma escola pública e ou em uma rede. Em Xangai, vi que eles usam plataformas de aulas digitais. Algumas delas feitas coletivamente na própria escola e outras enviadas pelo ministério de educação da China e outras pelo município. Não vi nenhuma aula com cada aluno com um computador próprio, mas em várias partia do computador do professor uma projeção e os alunos participavam ativamente. A outra coisa que eu notei nos países com os melhores sistemas de educação é que as universidades se envolvem com pesquisa aplicada em benefício de escolas, com o trabalho feito em conjunto com os professores para resolver questões que afetam o chão da escola.
Porvir – Qual a sua opinião sobre a reforma do ensino médio?
Cláudia Costin – Eu acho que eles atiraram no problema correto. A reforma do ensino médio partiu do Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação), que tinha percebido uma coisa muito simples: em quatro horas de aula e 13 a 15 disciplinas, não dá para desenvolver nenhuma competência, porque os saberes ficam fragmentados. Que precisava reformar, não tenho nenhuma dúvida e o caminho era fazer como fazem as melhores redes do mundo. Nenhum dos 30 primeiros países tem 13 disciplinas para quatro horas de aula. Aliás, nenhum deles têm quatro horas, mas mesmo que tivessem, o aluno conta com a possibilidade de escolher trilhas educacionais distintas. Então acho que essa ideia de flexibilizar, de empoderar o aluno para fazer determinadas escolhas é positiva. Eu não gostei que isso fosse feito por Medida Provisória. Não achei uma boa estratégia e acho que as reformas educacionais que aconteceram na história do Brasil foram feitas com muita discussão e muito diálogo. Há resistência à reforma por interesses puramente corporativos, mas deve-se discutir com elas e sobretudo com os maiores interessados, que são os estudantes. O MEC ganharia muito ao sentar com estudantes e discutir demoradamente com eles. Não simplesmente para eles ouvirem uma palestra, mas ouvir quais são as principais questões que os inquietam. Eu tenho certeza que os dois lados vão poder aprender muito se for feito isso.
Porvir – O Porvir realizou recentemente a pesquisa Nossa Escola em (Re)Construção, que ouviu alunos sobre a escola dos seus sonhos. Como escutar o jovem pode ajudar na melhora do sistema como um todo?
Cláudia Costin – Acho que o protagonismo é um pouco mais do que a escuta. A escuta é o ponto de partida. Em seguida, o jovem deve colocar na mesa as suas propostas. Eu tenho certeza que nenhum jovem quer fazer três anos de química, três anos de física, três anos de biologia, três anos de sociologia, três anos de filosofia e mais três anos de artes. Diferentes jovens vão preferir diferentes caminhos. E é natural que seja assim porque não há “o” jovem. Há diferentes sonhos e tudo tem que partir do sonho, e tem que ter uma conexão com qual é o seu projeto de vida. O que que ele sonha para seu futuro. E ele tem que se sentir responsável pela construção de seu futuro. Ninguém constrói o sonho do outro. O processo educacional vai facilitar ou dificultar a construção do sonho do jovem. Mas ele tem que estar consciente que nesse processo, o principal vai depender dele mesmo. Ele tem que se empoderar para se sentir sujeito ou protagonista da sua própria educação.