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Publicado em 23 de agosto de 2013 | 11 minutos de leitura

“Não Temos pessoas pensando grande em educação”

ENTREVISTA COM NILSON MACHADO  

Recentemente, a população foi às ruas reivindicar, entre outras coisas, mais verbas para a educação. A iniciativa, apesar de válida, não animou especialistas no tema. Graduado em Matemática e professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Nilson José Macha- do não acredita em grandes mudanças para os próximos anos. De acordo com o professor, a questão não é a falta de recursos.

A falta de regulação do exercício profissional e a falta de liderança   intelectual   impossibilitam a  criação  e  a  implementação  de um projeto educacional capaz de alavancar a qualidade do ensino. “Hoje, não temos pessoas pensando grande na Educação, temos apenas contadores – pessoas pensando na contabilidade, em números, índices”, lamenta o professor. Nesta entrevista à revista Educação Rio, ele faz uma análise da educação brasileira e aponta algumas possibilidades para mudar a educação básica e fazer com que ela deixe de ser motivo de vergonha nacional.

 

EM JUNHO, A POPULAÇÃO FOI ÀS RUAS REIVIN- DICAR, ENTRE OUTRAS QUESTÕES, MAIS VERBAS PARA A EDUCAÇÃO. O SENHOR ACREDITA QUE DIANTE DESSAS MANIFESTAÇÕES ALGO POSSA MUDAR NOS PRÓXIMOS ANOS?

Nilson Machado – Não acredito, porque o problema fundamental não é de dinheiro. O problema de dinheiro existe em todos os setores: educação, saúde, segurança. Querer mais é natural e não sou contra, mas o problema é mais sério – trata-se de uma questão de significado, de vida, de participação, de conhecer a importância de uma boa educação para valorizá-la.

COMO ASSIM? ONDE ESTÁ O PROBLEMA?

Qualquer profissão exige um compromisso público. Esse compromisso público não é gratuito, decorre em grande parte de uma autorregulação. Em Direito, por exemplo, temos a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que faz a mediação do exercício profissional do advogado.  Há um código de ética, um compromisso. Em várias profissões há um órgão regulador do exercício profissional. Esse não é o papel do sindicato. No caso dos professores, temos um buraco. Temos várias representações sindicais, mas não entidades  que  regulem  a  atuação do professor. Na verdade, teoricamente, temos. São os conselhos municipais, estaduais de educação. O problema é que eles agem como órgãos do governo. São salas dentro das secretarias.  Parecem parte do governo, quando não deveriam ser.

 

O CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO (CNE) NÃO DEVE SER PENSADO COMO ÓR- GÃO DO GOVERNO?

Não. Ele deve ser formado por representantes de todos os envolvidos na educação e tem que pensar grande. Hoje, não temos pessoas pensa do grande na Educação, temos apenas contadores – pessoas pensando na contabilidade, em números, índices, 5% a 10%, compra de 900 mil tablets para colocar nas salas de aula. O último grande pensador que tivemos atuando na Educação com uma visão de estado, de futuro, de país foi Anísio Teixeira. Tivemos uma passagem muito rápida do Cristóvam Buarque pelo Ministério da Educação no início do governo PT, mas ele não conseguiu fazer nada. Então, o instituidor, aquele que criou coisas foi Anísio Teixeira. Fora isso, o que temos visto são as pessoas usarem o cargo com outros interesses políticos. Aí está o problema. Não temos liderança intelectual na área da educação, não temos o meio-campo na área de regulação. Os conselhos em todos os níveis foram deturpados e ficamos sem rumo, sem saber para onde ir, sem projeto educacional.

O SENHOR FALOU DOS TABLETS. A TECNOLO- GIA NÃO PODE AJUDAR A MELHORAR A QUALI- DADE DA NOSSA EDUCAÇÃO?

A tecnologia é importante não só na escola, mas na vida dos alunos. Porém, é preciso saber usar para despertar o interesse dos estudantes. Não adianta reclamar de que o aluno está com o celular em sala, é preciso saber explorar a ferramenta para usá-la de forma a despertar o seu interesse para o aprendizado.

 

QUAL  A  SUA  OPINIÃO  SOBRE  A  EDUCAÇÃO BÁSICA?

Ela é nosso grande desafio. É o foco do problema. Não temos uma Educação Básica de qualidade. John Dewey já alertava no livro “Democracia e Educação” (1916) que não dá para ter apenas um desses  elementos: democracia ou educação. A educação é fundamental para a democracia e vice-versa. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) representou um avanço notável na nossa Educação Básica ao explicitar o Ensino Médio como etapa final do segmento. Então, quando falo Educação Básica incluo o Ensino Médio, mas ele é o primo pobre desse sistema de ensino. Temos um Ensino Superior que não é uma maravilha, mas não nos envergonha, assim como nossa pós-graduação. Não são magníficos, mas não envergonham, porém a Educação Básica, que é um direito de todo cidadão e a base para formar a população, é vergonhosa.

 

E POR QUE NOSSO SISTEMA É TÃO VERGONHO- SO? QUAL O PRINCIPAL GERADOR DESSE PRO- BLEMA – É A FORMAÇÃO DE PROFESSORES?

Esse é um discurso muito comum, mas absolutamente equivoca- do. Aqui, em São Paulo, temos cursos de pós-graduação que funcionam desde 1970 e já formaram centenas de mestres e doutores. Podíamos, então, pensar que a educação em São Paulo estaria bem em função destes profissionais,  mas  não  é  verdade. O quadro não é diferente de outros lugares.  O problema é que grande parte desses profissionais bem formados não está na sala da aula. A realidade é perversa. O preparo tira esse professor da Educação Básica. Ele vai para o Ensino Superior, para outro  setor,  vai  fazer  outra  coisa. Aí, enxergamos o problema, que é a condição de trabalho do professor da Educação Básica. No Ensino Superior há muitos problemas, mas não dá para reclamar como da condição de trabalho da Educação Básica.

O QUE O SENHOR QUER DIZER COM CONDIÇÕES DE TRABALHO?

A condição inclui o salário, mas não é o fator principal. A condição do trabalho é ruim. Parece que o único   trabalho   que   o   professor tem que fazer na escola é na sala de aula. Acho que qualquer escola precisa de espaço de convivência, monitoria e conversa, e esse espaço não existe. Na universidade, um aluno da graduação precisa mais de orientação do que um de pós-graduação. Se pensarmos, então, no Ensino Médio, vamos perceber que esse aluno precisa mais de orientação do que o estudante universitário. O professor teria que ter direito à monogamia, a trabalhar apenas em uma escola, para que isso fosse possível. Para ter tempo de se dedicar ao ensino, ao aluno e não apenas entrar e sair de sala de aula.  Um professor de Física, por exemplo, de regime de 40 horas tem que dar, no mínimo, 32 horas/aula. Para isso, ele precisa de 16 turmas para completar a carga horária em sala, já que no Ensino Médio dá duas aulas por turma. O professor vai ter que atuar em mais de uma escola e atender a cerca de 600 alunos. Isso é absolutamente inviável.

TEMOS UM EXCESSO DE DISCIPLINAS NO ENSINO BÁSICO?

Certamente, esse é um ponto fundamental. Não se trata de não valorizar certos assuntos, o desvio está em transformar a disciplina no único canal de comunicação entre a escola e a vida. Ou seja, qualquer coisa que se queira ver incluída na grade escolar, cria-se uma matéria. Essa fragmentação disciplinar é um tiro no pé. O significado da escola se desmancha nesse monte de disciplina. Por lei, no Ensino Médio são 13 disciplinas. Em algumas escolas, nesse nível, os estudantes têm que lidar com 16 matérias, e o problema é que a fragmentação leva à perda do significado. O aluno não sabe mais por que está estudando.

 QUANTAS  DISCIPLINAS  O  SENHOR  ACHA  QUE SERIAM O NÚMERO IDEAL?

O Enem agrupa as disciplinas em quatro áreas: linguagens, códigos e suas tecnologias; ciências humanas e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; e ciências da natureza e suas tecnologias.  Essa tentativa de articular  um  elenco  de  disciplinas em quatro áreas é interessante, mas ainda não vingou em lugar algum. Escolas e cursinhos ainda trabalham com as disciplinas isoladas. Bem, já que não conseguimos acabar com a fragmentação disciplinar, há outras iniciativas, como, por exemplo, trabalhar as ideias fundamentais de cada disciplina. Existe um conjunto pequeno de ideias fundamentais de cada matéria. Quando nos debruçamos sobre elas, evitamos a fragmentação.  Por exemplo, o conceito de energia, que é fundamental para o ser humano, transita por Física, Química, Geografia. Trabalhar essas ideias fundamentais faria muito mais sentido para o aluno.

 

SERIA UMA REDUÇÃO NO CURRÍCULO?

Não.  Uma  mudança  de  foco. Em Matemática, ideias como equivalência, proporcionalidade, ordem, interdependência podem ser  trabalhadas  de  outra  forma. Por exemplo, com o foco na ideia de proporcionalidade podemos relacionar diversos assuntos. As ideias fundamentais de cada disciplina  transbordam  a  disciplina. O Ensino Médio é medíocre, para no meio. As disciplinas são meios para desenvolvermos no aluno coisas que vão além delas, mas paramos no meio. Geografia tem uma ideia fundamental que é a noção de mapa. Começamos a aprender sobre mapa cartográfico em Geografia, mas, hoje, para resolver qualquer problema em uma empresa, usamos um mapa. Então, a ideia de mapa transborda a geografia. Precisamos  ver cartografia como um meio para lermos outros significados, e o mesmo pode ser feito com outras matérias.




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