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Publicado em 20 de julho de 2016 | 5 minutos de leitura

Nem-nem e sim-sim

Fonte: Uol Educação – 20/07/2016

Priscila Cruz

Você já deve ter ouvido falar sobre os jovens “nem-nem”, certo? São aqueles que nem estudam nem trabalham, e muitas vezes nem sequer terminaram a educação básica. Dentre os jovens de 15 a 17 anos, 13,4% – ou 1,4 milhão deles – estão fora da escola e fora do mercado de trabalho. Não podemos ignorá-los.

Mas hoje quero falar de outros que também precisam da atenção do poder público, das famílias, da sociedade e do setor privado: daqueles jovens que estudam e que trabalham, os “sim-sim”, que são ainda mais numerosos.

Em 2014, 18,4% dos jovens de 15 a 17 anos matriculados na Educação Básica trabalhavam – o equivalente a quase 2 milhões deles (dados disponíveis aqui).

Esses jovens escolheram trabalhar – ou precisavam fazê-lo –, mas não abandonaram a escola. E como é a rotina deles? Afinal, trabalhar ajuda ou atrapalha a educação escolar? Nesse sentido, há várias ponderações a fazer.

Por um lado, em um cenário ideal, os jovens não deveriam precisar trabalhar até concluir a educação básica – porque o trabalho pode tornar a sua rotina mais cansativa, o tempo destinado aos estudos mais escasso e gerar estresse relacionado à vida profissional, tirando o foco da escola e fazendo com que ela fique em segundo lugar. E deixar a escola em segundo plano não é aceitável, pois é uma escolha que prejudica os jovens hoje e no futuro, e traz prejuízos ao desenvolvimento do país em curto e em longo prazo.

Por outro lado, não podemos ignorar que, em um país ainda tão desigual, começar a trabalhar cedo pode ser uma necessidade. E, já que essa é a nossa realidade, se o trabalho for bem planejado e integrado com os estudos, pode ser uma oportunidade de ouro para aliar teoria, prática e renda.

Mas qual é a situação hoje? 

– Praticamente não há diálogo entre as redes de ensino e o mundo do trabalho. Temos a Lei do Jovem Aprendiz, voltada para as empresas, mas ela não estabelece um vínculo com a escola.

– Geralmente, os alunos que trabalham estudam à noite – atualmente, a cada três alunos matriculados no ensino médio, um frequenta o turno da noite.

– O período noturno tem, em média, desempenho mais baixo. Enquanto no diurno apenas 13,1% dos alunos terminam o ensino médio com uma aprendizagem adequada em matemática, entre os que estudam à noite esse percentual é de somente – pasmem ainda mais – 1,8%. 

Se esperamos que o país atinja patamares de empreendedorismo e inovação, e encontre soluções que nos propiciem mais justiça social, mais progresso e mais sustentabilidade, temos que apostar no desenvolvimento integral das nossas crianças e dos nossos jovens.

Um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) aponta que uma cultura saudável de trabalho para os jovens pode fortalecer o seu aprendizado tanto no que concerne ao conteúdo escolar como às habilidades socioemocionais.

Para que essa cultura se crie, carecemos de formatos que garantam uma renda aos jovens que precisam, sem que isso desrespeite sua necessidade de estudar. E, para tal, é preciso que:

  • o poder público se empenhe em promover as necessárias mudanças no ensino médio e no profissionalizante;
  • os jovens, as redes de ensino, os professores e os pais pensem juntos sobre os modos de melhorar esses formatos;
  • as famílias e a sociedade estejam sempre atentas às condições de trabalho dos jovens – que devem ser seguras, salubres e não exploratórias; 
  • o setor privado procure dialogar com os gestores educacionais locais e se disponha a ouvir os próprios jovens para desenvolver programas específicos de emprego.

E boa parte disso pode começar agora, com você, na sua comunidade, na sua rede de ensino e na sua empresa.

Priscila Cruz é fundadora e presidente-executiva do movimento Todos Pela Educação. Graduada em Administração (FGV) e Direito (USP), mestre em Administração Pública (Harvard Kennedy School), foi coordenadora do ano do voluntariado no Brasil e do Instituto Faça Parte, que ajudou a fundar.


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