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Publicado em 05 de maio de 2014 | 8 minutos de leitura

No futuro, a escola será como a de hoje?

Entrevista / Mauro Maldonato 

 

O italiano Mauro Maldonato é um dos âncoras desta edição Educar/Educar e Bett Brasil, que será realizada de 21 a 24 de maio, no Centro de Exposição Imigrantes, em São Paulo. O palestrante será destaque em dois momentos: “Carta para um jovem de amanhã. Em um mundo de opiniões, procure a verdade” e “No futuro, a escola será como a de hoje?”. A primeira palestra irá acontecer dia 23 de maio, às 14h30, já a segunda será dia 24 de maio, no mesmo horário. Nesta entrevista, Maldonato antecipa o que vai abordar no evento.

 Na sinopse de sua palestra “No futuro a escola será como a de hoje?”, há a afirmação de que “o sistema escolar de hoje não permite que o professor ou o estudante, isoladamente, explore com liberdade em novas direções o ensino e o aprendizado”. Por que o senhor afirma esta ideia? Quais seriam os motivos para a configuração deste cenário?

Estamos diante de uma urgência educacional: a de compreender que em um mundo em transformação permanente o conhecimento deve ser um caminho ordinário, mas também extraordinário, de confirmação, mas também de surpresa, de fascínio, mas também de inquietação, de esforço, de alegria. Uma escola em que o aprendizado trabalhe apenas com o que já é conhecido, e mais, predominantemente centrado nos saberes técnico-utilitaristas é uma resposta fraca aos problemas que temos à nossa frente. Para poder aguentar os desafios de nosso tempo, os conhecimentos básicos deveriam conter em seu interior perguntas de sentido, capacidades de aprendizado autônomo, possibilidades de autoeducação. A crise da escola, desde o ensino básico à universidade, mais que por meio de medidas à altura dos problemas até aqui foi enfrentada com simples reformas administrativas. No coração dessas instituições rasteja uma insidia que permeia seus mecanismos ordinários e achata o conhecimento em lugar de elevar os níveis de instrução dos escolarizados: a banalização. Além disso, parece-me bem evidente que a educação já se tornou totalmente funcional às exigências da sociedade. Nosso sistema educacional é voltado a gerar cidadãos previsíveis e objetiva, pois, amputar a imprevisibilidade, a criatividade, a inovação.

Como é possível a comunidade escolar (incluindo os pais) colocar em prática ações que transformem a realidade atual em projetos concretos originais e criativos?
As ideias vêm antes do que os fatos. Acima de tudo, o que conta é treinar a mente, cultivar as capacidades criativas. Como disse Einstein certa vez, a instrução é “o que resta depois que se esquece tudo o que se aprendeu na escola”. Sei que a minha não é a opinião predominante, mas penso que não deveria ser a escola a ensinar diretamente competências e especificidades a serem depois utilizadas na vida. As exigências da vida são demasiado multiformes para qualquer treinamento especializado, e a escola, portanto, deveria, antes, contribuir para o crescimento de personalidades harmoniosas. Isso também diz respeito (e talvez sobretudo) às escolas técnicas. Mais do que à aquisição de competências especializadas, seria necessário dar prioridade ao desenvolvimento das capacidades gerais de pensamento e juízo independentes. Se um jovem aprendeu os fundamentos da matéria e, sobretudo, se aprendeu a pensar e trabalhar de maneira autônoma, será capaz de se adaptar a qualquer contexto. De todo modo, na escola, assim como na vida, a motivação mais importante é o prazer do trabalho, o prazer dos resultados, e a consciência do valor desses para a comunidade. Tarefa principal da escola é despertar e fortalecer tais motivações nos jovens. Apenas um fundamento psicológico desse tipo conduz a desejar os bens humanos mais elevados: o conhecimento e a capacidade artística.

Poderia comentar brevemente os principais tópicos a serem abordados na palestra “Carta para um jovem de amanhã. Em um mundo de opiniões, procure a verdade”?
Os efeitos da massificação da escolaridade e dos processos dos meios da cultura de massa (e seu empobrecimento cultural) fizeram de nosso mundo um insuportável falatório sem peso, um triunfo da opinião. Mas um homem é coisa bem diferente de um simples organismo biológico no qual transfundir informações: é um ser espiritual e social que, emancipado de sua condição natural, realiza a própria, singularíssima forma de vida. Direi mais: o homem se realiza somente na tensão em direção ao ideal. Seu crescimento é uma construção consciente marcada pelos valores mais altos da humanidade, que foram os da Paideia, da Bildung, das Toledot; valores que nasciam de uma consciência profunda dos limites cognitivos do homem, de uma subversão que desestabiliza a opinião comum: o cuidado da alma, a tensão para o bem que, embora muitas vezes escondido na penumbra, está bem vivo e presente no mundo. Essa relação com o bem é uma relação com si próprio e com os outros nas diversas formas da virtude: sabedoria, temperança, justiça, força.

Em sua opinião, a falta de esperança do jovem também ocorre no Brasil?
Creio que o Brasil, embora tenha todas as suas extraordinárias originalidades, seja parte fundamental do Ocidente e, como tal, está dentro da crise de nosso tempo. Os jovens de hoje, criados no culto presunçoso da tecnociência, caminham inquietos, sem horizontes, expostos às mais tolas sugestões. A educação e o progresso material são decerto o pressuposto da liberdade, mas quando se tornam delgados, se não se destruírem por si próprios, sucumbirão sob o peso do tédio e do desespero. Esse mal-estar crescente (numa época de bem-estar crescente) era impensável para as gerações anteriores. Receio que apenas a inclusão de mais pessoas no sistema escolar não seja suficiente e que seja necessário fazer mais. Muito mais.

O que significa dizer “é necessário um fortíssimo anseio de conhecimento, o desejo imperativo de verdade, que convida a conhecer por conhecer sem se preocupar com as consequências éticas, políticas ou religiosas”?
Bastaria retornar à imensa metáfora da viagem do Ulisses dantesco em direção do desconhecido: uma lição que do alto da literatura medieval chega até nós. Hoje, assim como ontem, é o mistério do conhecimento a alimentar a necessidade de busca do homem: na arte, na filosofia, na ciência. A busca é uma luta sem fim com o mistério, com o enigma da beleza e de suas leis. Também os seus procedimentos racionais mais rigorosos têm de se confrontar com sua insuprimível ulterioridade.

Confira outras informações sobre o evento no site : www.feiraeducar.com.br

Fonte: Educar/Educador e Bett Brasil 20014

 


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