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Publicado em 06 de janeiro de 2015 | 4 minutos de leitura

O desafio de Cid Gomes

Antônio Gois 

Cid Gomes, ex-governador do Ceará, frequentou nos últimos anos o noticiário político nacional por causa de alguns atos polêmicos, como o pagamento de cachê de R$ 650 mil só para Ivete Sangalo inaugurar um hospital público ou uma carona oferecida para a sogra em viagem oficial à Europa. Seria injusto, no entanto, julgar sua escolha para o MEC apenas por fatos como esses. Cid pode não ser um técnico respeitado do setor, mas, como gestor, conseguiu alguns bons resultados na área.

Desde a época em que foi prefeito de Sobral, sua equipe conseguiu que não apenas uma, mas praticamente toda a rede de escolas do município, mesmo atendendo alunos mais pobres, registrasse ótimos resultados no Ideb, principal indicador do MEC de qualidade de ensino.

Parte da experiência de Sobral foi expandida para o Ceará, que registrou avanços consideráveis nos anos iniciais do ensino fundamental. Uma de suas principais políticas, a de alfabetização na idade certa, inclusive, inspirou um programa federal. Também foi reconhecida a estratégia de perseguir para valer a ideia de que toda criança precisava estar na escola aprendendo, nem que para isso fosse necessário, como feito em Sobral, bater de porta em porta em busca de alunos faltosos.

O Brasil, no entanto, não é só Sobral, e a própria reforma educacional cearense ainda precisa provar que é sustentável no longo prazo. Os bons resultados dos primeiros anos do fundamental por lá ainda não chegaram ao final do ensino médio, que, tal como no restante do Brasil, segue em nível insatisfatório. Mesmo assim, Cid já assume com o desafio de liderar 27 estados e 5.570 municípios, num cenário em que as metas de qualidade acordadas desde 2006 no Ideb ficarão cada vez mais difíceis de serem alcançadas, especialmente se continuarmos fazendo mais do mesmo.

Como político, Cid por vezes também deu declarações polêmicas, como a feita durante greve de professores em seu estado, dizendo que esses deveriam trabalhar por gosto, e não por salário (em seu discurso de posse, ele afirmou que fora mal interpretado e jurou valorizar o magistério).

Uma semana antes de assumir o cargo, Cid fez ao GLOBO e a “Folha de S. Paulo” afirmações nem tão polêmicas, mas preocupantes por revelar, talvez, sua visão sobre o ensino integral. A principal razão apontada por ele para aumentar o tempo em que os alunos passam na escola seria “evitar o contato de jovens com drogas” ou porque assim “será possível reduzir a vulnerabilidade de adolescentes ao crime”.

É claro que não há nada de errado em querer que jovens fiquem longe do crime e das drogas. O risco por trás desta ideia está em sinalizar que o que deveria ser o principal objetivo a ser atingido — a melhoria da qualidade do ensino — fique em segundo plano.

Isso sem falar que ampliar o turno atual de quatro para sete ou mais horas diárias é uma das propostas que mais demandam recursos, e de maior risco de não dar em nada caso não seja bem implementada. Além disso, a escola não é uma prisão. Estender seu horário sem reformulá-la pode ser apenas mais um estímulo à evasão.


Fonte: O Globo – 5/01/2015 


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