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Publicado em 13 de agosto de 2015 | 6 minutos de leitura

O Enem e a qualidade da Educação

 

Priscila Cruz

O Enem é ou não medida de qualidade da Educação brasileira? A resposta para a pergunta, como em tudo na Educação, não é simples. Entretanto, podemos afirmar que, definitivamente, o Enem não pode ser usado como medida única de sucesso de determinada Escola. Elenco aqui três razões importantes.

Primeiro, como o esforço do próprio Inep em contextualizar melhor as condições de cada Escola deixou claro, há Escolas que usam manobras para tornar o resultado do exame estratégia de marketing. Aos pais, cabe olhar com mais cautela os resultados e as informações sobre a participação da Escola no Enem, como o número de Alunos que fizeram o exame e o que a Escola tem feito nos anos e etapas anteriores para, de fato, garantir boa Educação para todos os Alunos.

Segundo, a média do Enem de determinada Escola apresenta as limitações de qualquer média, pois se trata de número incapaz de captar a dispersão dos resultados dentro das Escolas que, mesmo com médias parecidas, podem ter garantido níveis de aprendizagens muito diferentes aos Alunos. Uma pode ter estudantes com resultados bem homogêneos e, portanto, perto da média. E outra pode ter muitos com resultados mais baixos e poucos com resultados excepcionais. São duas Escolas completamente diferentes. Em qual delas você prefere que seu filho estude?

E, por fim, sabemos que o Enem avalia algumas competências, pois foi pensado como exame classificatório para a entrada na Educação superior. Mas, de forma alguma, ele é capaz de revelar a qualidade de uma Escola em outras dimensões. Será que os Alunos dessas Escolas estão preparados para a vida que os aguarda após o Ensino médio, com todas as novas demandas e complexidades do século 21?

Por seu lado, o Enem é uma das referências de avaliação do Ensino médio nas Escolas, nos estados e no Brasil. Ele escancara alguns dos enormes desafios da Educação brasileira. O principal deles é a grande desigualdade entre Escolas que atendem Alunos com maior e menor nível socioeconômico. Embora a questão socioeconômica explique por que algumas Escolas apresentam desempenho bastante insatisfatório, não é mais aceitável que ela seja usada para justificar a não garantia do direito desses jovens a uma Educação de qualidade.

A gestão pública deve ser capaz de compensar a desigualdade fora da Escola, para que os Alunos que nascem em situação de maior vulnerabilidade social possam romper com o ciclo de exclusão. Uma das políticas mais eficazes para reduzir o impacto da condição socioeconômica dos Alunos nos resultados educacionais é a oferta de Educação integral.
Essa concepção amplia o efeito da Escola na vida do Aluno, podendo compensar a falta de estrutura em casa e na família, como o acesso a livros e a computadores, a organização de espaços adequados para estudar, brincar e praticar esportes, que são fatores que interferem positivamente na aprendizagem. Além disso, a Educação integral, se bem implementada, amplia as oportunidades para desenvolver habilidades importantes para o estudo e a aprendizagem, como capacidade de organização, comunicação e criatividade.

Para além da análise se o Enem é bom ou não como medida da qualidade das Escolas, vale destacar também o enorme poder de indução do exame no currículo do Ensino médio. As Escolas de todo o país organizam essa etapa pautadas pelo Enem, como se a trajetória de todos os Alunos fosse a mesma ou como se tivessem o mesmo projeto de vida e, portanto, necessitassem do domínio das mesmas competências avaliadas pelo Enem.

Precisamos de um Ensino médio que reconheça, acolha e prepare os Alunos para a diversidade de seus interesses, projetos, ambições e vocações. Especialmente hoje, em que carreiras somem e outras surgem numa velocidade sem precedentes. É preciso que a Escola ofereça uma gama maior de oportunidades educativas. Além disso, é hora de valorizarmos o Ensino profissionalizante e técnico como modalidade de Ensino médio que não necessite ser concomitante ou subsequente ao Ensino médio regular.

Nesse sentido, o debate sobre a Base Nacional Comum é muito importante. Quais competências todos os estudantes devem dominar (como leitura, escrita e matemática) e o que pode ser diversificado? E, mais importante ainda, como tornar o Ensino médio relevante e atraente para os jovens? Em 2013, apenas 54% dos jovens de até 19 anos concluíram o Ensino médio, sendo o desinteresse pela Escola apontado como principal motivo da evasão Escolar.

Portanto, é preciso olhar para o Enem não apenas como medida de qualidade da Educação, mas, especialmente, como forma consolidada de acesso ao Ensino superior — que pode e precisa ser aperfeiçoada — e referência importante que influencia o trabalho em sala de aula, apoiando, assim, a consolidação de políticas necessárias como a Base Nacional Comum, a diversificação do Ensino médio e o Ensino profissionalizante e técnico.

 

Priscila Cruz é diretora-executiva do Todos Pela Educação

Fonte: Correio Braziliense – 13/08/2015


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