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Publicado em 05 de maio de 2014 | 11 minutos de leitura

O que é “educar a emoção”?

Entrevista/ Augusto Cury

 

A educação da emoção é dispor de técnicas pedagógicas que englobam a psicologia, a filosofia e a sociologia para promover reflexões e contribuir na construção da personalidade e do caráter, na formação do pensar sobre si, os outros e o sobre o mundo e motivar comportamentos saudáveis. Como digo no meu livro Ansiedade: Como Enfrentar o Mal do Século, a sociedade moderna – consumista, rápida e estressante – alterou algo que deveria ser inviolável: o ritmo de construção de pensamentos, gerando consequências seríssimas para a saúde emocional, o prazer de viver, o desenvolvimento da inteligência, a criatividade e a sustentabilidade das relações sociais. Adoecemos coletivamente. Muitos neurologistas, psiquiatras, psicólogos e psicopedagogos, ao observar crianças e adolescentes agitados, inquietos, com dificuldade de concentração e rebeldes a normas sociais, chegam a diagnósticos errados, atribuindo tais comportamentos ao transtorno de déficit de atenção ou hiperatividade, quando a grande maioria desses pacientes é vítima da S.P.A (Síndrome do Pensamento Acelerado). Entre as causas da S.P.A estão o excesso de estimulação, de brinquedos, de atividades, de informação. O tratamento também é diferente em alguns aspectos. Na hiperatividade, há um fundo genético; frequentemente, um dos pais é hiperativo, já na S.P.A não há alteração metabólica, a falha é funcional e social, pois está ligada ao processo de formação da personalidade e ao funcionamento da mente e, portanto, deve ser corrigida com técnicas educativas e psíquicas. Pesquisa da Universidade de Michigan mostra que uma a cada duas pessoas sofrerá ao longo da vida com algum transtorno psíquico, como fobia, síndrome do pânico, burn out e depressão. Vivemos uma crise sem precedentes na história. Nunca foi tão urgente educar a emoção das crianças e adolescentes, até mesmo dos nossos educadores e das famílias, para darmos um choque de gestão na mente e diminuirmos os índices de adoecimento emocional.

Qual é a importância da educação da emoção para a formação de pensadores?
Educar a emoção é fundamental para desenvolver a inteligência, as habilidades intrapessoais e interpessoais, e prevenir transtornos psíquicos.  As habilidades cognitivas (memorização, foco, resolução de problemas) dependem da capacidade de lidar com as emoções, pois os aspectos emocionais, como a autoestima, a capacidade de lidar com perdas e frustrações, o gerenciamento dos pensamentos angustiantes e perturbatórios, a disciplina, a motivação, o prazer em aprender, a tolerância com os próprios erros e dos outros possuem grande repercussão na qualidade da aprendizagem do aluno e no processo de ensino do educador. Paulo Freire sonhou com uma educação que promovesse a autonomia, mas a questão é: estamos formando um ser humano capaz de ser protagonista de sua história? Estamos promovendo uma educação capaz de disseminar a estabilidade, a profundidade emocional e o encanto pela vida? Precisamos primeiro dar um choque de lucidez na escola clássica mundial, para que ela não apenas transmita a seus alunos milhões de dados sobre o mundo em que estamos, como também sobre o mundo que somos, que é um universo muito maior do que o físico. Caso contrário, formaremos jovens com diplomas nas mãos, mas que não saberão o que fazer com suas crises, calúnias, críticas, fobias, angústias e culpas. Serão jovens que viverão em sociedades democráticas, mas não serão livres.

Nossa sociedade (desde família, amigos, instituições de ensino, meios de comunicação) está com o olhar voltado para as emoções, ou isso está se perdendo?
Recentemente, durante minhas conferências para mais de 8 mil educadores em dois congressos, um nacional e outro internacional, apliquei um teste rápido sobre os sintomas básicos da S.P.A. O resultado me deixou atônito, já que quase todos se achavam profundamente ansiosos e com sintomas psíquicos e psicossomáticos decorrentes dessa síndrome. Pode-se observar o mesmo problema na análise desses sintomas em mais de 7 mil pessoas de várias profissões que participaram do teste para avaliação da qualidade de vida, desenvolvido pelo Centro de Pesquisas de Estudos e Pesquisas da Inteligência e da Saúde Emocional (CEPISE), vinculado ao meu Instituto. São vítimas do que considero ser o verdadeiro mal do século. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 1,4 bilhão de pessoas, cedo ou tarde, desenvolverão o último estágio da dor humana, o que corresponde a 20% da população do planeta. A Síndrome do Pensamento Acelerado (S.P.A) provavelmente atinge mais de 80% dos indivíduos de todas as idades, de alunos a professores, de intelectuais a iletrados, de médicos a pacientes. Isso mostra uma crise na saúde emocional da sociedade.

Qual é relação do sonho com a disciplina? Muitos jovens apenas sonham, têm ideais presas na teoria, mas não apresentam disciplina para concretizar os sonhos? E os outros jovens que são pressionados pela sociedade, com excesso de disciplina, sem tempo para sonhar?
No meu último lançamento, “Pais Inteligentes formam Sucessores, não Herdeiros”, demonstro técnicas importantes para que os pais e educadores ensinem seus filhos e alunos a usarem o caos como oportunidade criativa, a transformar a escassez em garra e a ser a fonte de inspiração para que eles tenham sonhos com disciplina. Digo que estamos assistindo impassíveis ao assassinato coletivo da infância em todo o mundo. Atolamos nossos filhos com excesso de brinquedos, games, smartphones, atividades, sem perceber que estamos gerando um “trabalho” intelectual escravo. Somos contra o trabalho infantil, mas não ficamos perplexos com o “trabalho” intelectual escravo das crianças. Os pais até acham interessante colocar seus filhos em mil atividades. Gabam-se de que eles parecem gênios, dão respostas rápidas, sabem mexer com maestria em computadores, mas depois, na adolescência, o gênio desaparece… Tornam-se inibidos socialmente, tímidos diante de situações novas, sem grandes sonhos ou com uma identidade definida, não sabem ouvir coisas negativas, não obedecem a regras sociais, são pouco resilientes e têm baixo nível de solidariedade. É um crime tirar dos jovens seus sonhos, mas, infelizmente, é isso que a sociedade está promovendo.

Como a escola brasileira enxerga o papel da emoção e seu significado para a aprendizagem?
Tenho gritado em mais de 60 países onde sou publicado, que a educação clássica precisa ser reciclada, pois ensina aos alunos, da pré-escola à pós-graduação, milhões de informações sobre o mundo em que vivemos, do imenso espaço até o átomo, mas não ensina quase nada sobre o planeta psíquico, sobre os fenômenos que nos tornam seres pensantes. Esse não é um problema exclusivo do Brasil, mas de vários países como os EUA, Alemanha, Japão. É por isso que tal educação, que antes preparava para a vida, hoje, nesta sociedade hipercompetitiva e saturada de informação, forma, com as devidas exceções, meninos com diplomas nas mãos, sem proteção emocional, sem a capacidade mínima de filtrar estímulos estressantes e de serem líderes de si mesmos. Isso é mais do que de valores; são funções fundamentais do EU como autor da sua história. Mas esse tipo de educação é de responsabilidade dos pais ou da escola? De ambos. Não podemos lotear os alunos. Pais e educadores têm responsabilidades sobre o futuro emocional, social e profissional dos seus educandos. Muitos pais terceirizam a educação, atribuindo à escola uma responsabilidade que também é deles, o que é um erro imperdoável. Entretanto, a maioria das escolas se esquiva de assumir sua parte nesse processo, pois se encarregam de transmitir dados sobre o mundo em que estamos, mas frequentemente se calam sobre o mundo que somos. Acredito nisso pela falta de técnicas adequadas para transmitir o conhecimento sobre a mente humana de forma prática e lúdica, como fazemos com o Programa Escola da Inteligência, no qual renunciei os direitos autorais e patrimoniais para que o acesso fosse democratizado, e pudesse viabilizar projetos sociais de apoio a crianças e adolescentes. Atualmente, o Programa contribui com mais de 200 mil alunos, e milhares de professores, com trabalhos em andamento na Alemanha e nos EUA (para mais informações, acessar o site: www.escoladainteligencia.com.br).

Com a formação de pensadores, e não somente alunos que passam de ano, qual será o reflexo em nossa sociedade?
Nossa sociedade deve formar pensadores altruístas, carismáticos, empáticos para lidar com os desafios futuros, como a escassez alimentar, o aquecimento global e o aumento populacional. Sócrates, Platão, Agostinho, Kant, Freud, Einstein, Nelson Mandela, Martin Luther King, Abraham Lincoln e tantos outros pensadores fizeram a diferença porque pensaram criticamente e se doaram para a humanidade. Somente a educação pode atuar na prevenção e transformar as pessoas, inclusive quanto pior for a qualidade da educação, mais importante será o papel da psiquiatria e da psicologia clínica, pois são focados em tratar o problema. Sonho que um dia as pessoas possam colocar-se como prioridade e deixem de ser máquinas de atividades. Sejam tolerantes e altruístas consigo mesmo e com os outros. Que busquem o prazer pelos pequenos estímulos da vida e resgatem o encanto pela existência. Somente dessa maneira poderemos ter uma sociedade viável.

Conheça mais sobre o trabalho do Dr. Augusto Cury  na  Feira Educar/ Educador 2014, que será realizada de 21 a 24 de maio, no Centro de Exposição Imigrantes, em São Paulo. Confira outras informações sobre o evento no site : www.feiraeducar.com.br

 Fonte: Educar/Educador e Bett Brasil 20014

 




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