RIO – Aprovado pelo Senado nesta terça-feira, o projeto de lei que determina a reserva de pelo menos 50% das vagas em faculdades federais para estudantes que cursaram o ensino médio na rede pública está dividindo opiniões no meio universitário. De um lado, estão especialistas que classificam a medida como importante ferramenta para a inclusão social. De outro, há entidades para as quais o projeto fere a autonomia das universidades sobre seus processos seletivos.
O presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Carlos Maneschy, acredita nos benefícios das ações afirmativas, já adotadas por várias universidades filiadas. Mas questiona a imposição de um mesmo modelo para todas as instituições.
– Na minha própria universidade, já adotamos cotas desde 2008. Ouvimos a comunidade interna, a sociedade e criamos o nosso modelo, que é até bem parecido com o proposto pelo projeto. No entanto, acreditamos que estes programas devem seguir o princípio da autonomia universitária. Do jeito que está, é um confronto à autonomia. Cada universidade deve tomar as suas decisões de acordo com as suas especificidades – critica Maneschy.
A presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, concorda com a avaliação da Andifes. Na sua opinião, muitas instituições já possuem processos em andamento e isso não foi observado pelo Congresso Nacional.
– A SBPC é a favor das ações afirmativas. Mas o projeto não levou em consideração a autonomia universitária, garantida pela própria Constituição. Muitas universidades federais e estaduais já têm programas de cotas, mas isso não foi observado. Em nome de um projeto justo, o governo está generalizando tudo que já estava acontecendo. Cada instituição encontrou seu modelo – afirma Helena.
Por outro lado, o professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Marcelo Paixão, comemora a aprovação do projeto. Segundo ele, as cotas são necessárias para facilitar o acesso das classes menos favorecidas ao ensino superior público.
– A aprovação de uma lei desse tipo é uma demanda de muito tempo. Podemos fazer uma analogia desse projeto com as leis que determinam uma tratamento diferenciado a deficientes, idosos e gestantes. Ninguém questiona a necessidade de instalação de rampas para facilitar o acesso de idosos e deficientes. A lei das cotas nada mais é que uma rampa para facilitar o acesso das classes menos favorecidas. É mais uma oportunidade para os mais pobres terem acesso ao ensino superior. Se deixasse por conta das universidades, isso nunca ia acontecer – diz Paixão, que coordena o Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser/UFRJ).
João Feres Júnior, professor de Ciência Política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Uerj, também é favorável a aprovação do projeto, pois “é um passo importante para melhorar a qualidade da educação pública”.
– Sou plenamente favorável a iniciativa. Já era hora do governo criar um espaço dentro da universidade para os alunos de escola pública. Isso gera um movimento indutivo. A partir do momento em que a rede pública é valorizada, que ela se torna uma fonte de acesso às universidades federais, várias classes econômicas vão passar a procurar essas escolas e, por isso, elas serão mais vigiadas. É uma questão política. Se atrai as classes mais altas, atrai o interesse do governo.
No entanto, o economista Simon Schwartzmann, do Instituto de Estudos Trabalho e Sociedade (Iets), aponta consequências sérias que precisam ser levadas em conta com a aprovação da medida. Ele argumenta que a entrada dos mais pobres na universidade é uma opção legítima, mas vê problemas na manutenção da excelência acadêmica.
– É legítimo que se decida que as universidades federais devem atender os pobres, agora precisa entender como fazer isso direito. Até hoje, sempre tiveram um perfil de elite. É muito difícil manter o padrão acadêmico recebendo metade dos alunos com má formação. Vai precisar mudar o currículo, a formação, resolver o que fazer com a pesquisa de alto nível. A universidade vai precisar lidar com dois públicos muito distintos: um ainda mais qualificado, pois a seleção será mais dura, e outro com uma formação deficiente. Ou diminui a exigência acadêmica ou a evasão será altíssima. Adotar essa política sem levar em conta isso pode ter consequências desastrosas – opina Schwartzmann.
Fonte: O Globo – 8/08/2012