Artigos


Publicado em 22 de janeiro de 2013 | 18 minutos de leitura

Os benefícios do trabalho com a arte nas escolas

Por Renato Deccache – renato.deccache@folhadirigida.com.br

 

Uma das funções que o processo educacional possui é a de inserir os estudantes no universo da cultura. Este objetivo é buscado, principalmente, pelo trabalho pedagógico com as mais diferentes formas de manifestação artística. Segundo a professora Eloísa Sabóia, coordenadora do curso de Especialização em Ensino da Arte da Universidade Veiga de Almeida, a arte contribui não só para desenvolver a sensibilidade estética junto aos estudantes, como também para o aprendizado das demais matérias.

Entre as vantagens do trabalho com as Artes no ambiente educacional estão o fato de aguçar a capacidade de estabelecer relações, de pensar e de criar simbolicamente. “Certamente este estudante lidará mais facilmente com outras linguagens, com metáforas e com o exercício do pensamento abstrato. Terá facilidade em operar com uma tabela periódica de Química, em compreender um sistema matemático, em solucionar problemas, a partir de equações de Física ou em ler uma pauta musical”, destacou a educadora.

Nesta entrevista, Eloísa Sabóia também fala sobre os problemas que afetam o ensino de Artes no Brasil. Ela cita dois, entre os principais: a falta de qualificação e formação adequada para parte dos professores e a ausência de condições materiais e de apoio pedagógico para os que têm licenciatura na área. “O que se observa neste tipo de realidade é um Ensino da Arte desvalorizado, tratado como um conhecimento menor, desnecessário ou supérfluo.”

FOLHA DIRIGIDA — De que forma o trabalho com a arte contribui para a formação de um estudante?
Eloísa Sabóia — A realização de atividades artísticas no cotidiano escolar é muito bem vinda, uma vez que contribui para o desenvolvimento estético e cultural dos estudantes, amplia o repertório artístico e facilita a comunicação e a interação com o mundo, com a vida. A arte se torna importante na escola porque, antes disso, sempre foi importante fora dela. Sempre esteve presente em todas as culturas, em diferentes tempos e espaços. O ser humano é o único animal que produz arte. Somos seres simbólicos por natureza e temos necessidade de operar simbolicamente, expressando-nos em diferentes linguagens. A arte amplia a percepção do mundo, assim como as possibilidades de atuar nele, de forma consciente, crítica e expressiva. Uma criança ou jovem que tenha a oportunidade de acesso às diferentes linguagens artísticas (Teatro, Artes Visuais, Dança, Música e Literatura) terá uma formação mais rica e complexa, poderá conhecer e associar a sua vida saberes que compõem as práticas de produção artística e apreciação estética, atuando de forma sensível, contextualizada e crítica. Cabe lembrar que vivemos experiências estéticas cotidianamente, não só do ponto de vista da herança cultural artística, mas sobretudo, em nossa vida pessoal e em sociedade.

A Srª ressaltou que as diferentes linguagens artísticas tornam a formação educacional mais rica e complexa. O trabalho com as artes é capaz, por exemplo, de melhorar a capacidade de aprendizagem em algumas disciplinas?
Ao longo da história, acompanhando as transformações, o mito, a ciência e a arte surgem como formas de organização dos diferentes saberes e como modos de transformação da experiência humana. Em decorrência de grandes marcos da história da humanidade, como o apogeu das ciências, o processo de industrialização e, mais tarde, o surgimento da tecnologia, o conhecimento fragmentou-se cada vez mais, resultando numa intensa disciplinarização _ com objetos de estudo, métodos e conteúdos específicos, o que produz seus efeitos até os nossos dias, especialmente em nossa educação. O conhecimento humano não é só múltiplo, como também complexo, reunindo fazeres e pensares de todos os tipos: religiosos, artísticos, científicos, míticos e cotidianos, daí a preocupação de educadores com a realização de práticas interdisciplinares e transdisciplinares no cotidiano escolar. Se o estudante, desde cedo, tem acesso a diferentes linguagens artísticas, estará operando com cores, formas, texturas, sons, gestos e expressões-sistemas simbólicos. Isto aguçará sua capacidade de estabelecer relações, pensar e criar simbolicamente, ou seja, dominar estruturas simbólicas de pensamento. Certamente este estudante lidará mais facilmente com outras linguagens, com metáforas e com o exercício do pensamento abstrato. Terá facilidade em operar com uma tabela periódica de Química, em compreender um sistema matemático, em solucionar problemas, a partir de equações de Física ou em ler uma pauta musical todos exemplos de notações simbólicas com as quais temos de lidar, ao longo de nossa jornada escolar.

Como avalia, de forma geral, o trabalho com a arte nas escolas?
Ao analisarmos historicamente os currículos escolares brasileiros, podemos observar que o ensino da arte configura-se como uma área de recente atuação, apresentando nas últimas décadas uma trajetória repleta de vicissitudes e transformações, que terminaram por congregar as múltiplas práticas pedagógicas, encontradas hoje na dinâmica curricular de nossas escolas. A promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que tornou obrigatório o ensino da arte em todo o território nacional, nos ensinos fundamental e médio, assim como a elaboração dos parâmetros curriculares nacionais, referendaram a luta política e conceitual, já travada por arte-educadores no cotidiano das escolas, para que a área das artes e das simbolizações fosse reconhecida, enquanto campo de saber, conhecimento, linguagem, trabalho e produção. Vejo o ensino da arte hoje de forma otimista e esperançosa. Amplia-se o grupo de educadores com formação na área, que passa a incorporar em suas ações educativas novas concepções, consonantes com as novas visualidades e tecnologias contemporâneas, preocupam-se em oferecer à criança e ao jovem uma formação estética, artística e cultural de qualidade, com a realização de projetos pedagógicos interculturais e interdisciplinares, contextualizados e significativos. Apesar dos avanços, lamentavelmente ainda existem professores sem formação na área lecionando arte, escolas sem salas adequadas ao trabalho pedagógico, carência de materiais, carga horária semanal insuficiente, grande número de alunos por turma, administradores que julgam que o professor de arte deva ser polivalente, lecionando diferentes linguagens artísticas e principalmente, o desconhecimento sobre a riqueza de conteúdo, complexidade e importância das linguagens artísticas para a formação dos estudantes.

Que impacto que os problemas que a senhora acabou de listar podem trazer para o ensino das artes nas escolas?
O que se observa neste tipo de realidade é um Ensino da Arte desvalorizado, tratado como um conhecimento menor, desnecessário ou supérfluo. Um professor emocionalmente desgastado, desmotivado ou perdido metodologicamente. Os que têm formação não encontram condições básicas para a realização de um trabalho que utilize e valorize a Arte, enquanto linguagem, trabalho, produção, crítica e expressão. Os que não possuem formação desconhecem a estrutura das linguagens artísticas, não sabem como explorar seus elementos básicos e geralmente dedicam-se a um trabalho em que a Arte fica a reboque das demais disciplinas, onde o que está em questão não são conceitos artísticos ou estéticos, mas sim os conceitos das outras áreas de conhecimento. Os alunos tornam-se desinteressados e indisciplinados, desconhecendo que estão sendo prejudicados em sua formação. E ainda podemos citar o trabalho artístico na escola que se dedica somente à realização de festas e apresentações para iludir a clientela como um verdadeiro enfeite curricular, um desodorante cultural que aparenta uma escola dinâmica e feliz. O ideal seria que tivéssemos uma disciplina obrigatória em todos os Cursos de Formação de Professores, Cursos de Pedagogia e nas demais licenciaturas sobre a importância e as múltiplas interfaces entre Arte e Educação. Esta iniciativa já ocorre em algumas universidades e acredito ser uma boa forma de elucidar professores das demais áreas de conhecimento, administradores de instituições de ensino, supervisores e orientadores pedagógicos, assim como autoridades educacionais, evitando distorções, garantindo o respeito pelo trabalho realizado e apagando definitivamente as marcas de uma Educação Artística do passado, onde a prática se reduzia ao desenho geométrico, aos desenhos prontos para colorir, às técnicas artísticas, ao desenho livre ou ao artesanato.

A senhora coordena um curso de especialização em Ensino da Arte. Com isso tem a oportunidade de lidar com professores recém-formados na Licenciatura. Como analisa, em linhas gerais, a formação recebida pelos professores em Artes? Há algum aspecto do qual a senhora sinta falta?
No Curso de Especialização em Ensino da Arte da Universidade Veiga de Almeida, onde atuo como professora e coordenadora, recebemos alunos provenientes da área artística e de áreas afins: Pedagogia, Arquitetura, Antropologia, Produção Cultural, Jornalismo e licenciaturas diversas. Com relação aos recém-formados nas áreas artísticas, reconheço que a formação vem melhorando dos anos 2000 para cá. Muitos cursos de graduação realizaram reformulações curriculares, onde puderam investir em novos conceitos de Arte e de Ensino, através da implementação de novas disciplinas, vinculadas ao multiculturalismo, às novas tecnologias e mídias, à Arte Contemporânea, Arte Brasileira, Arte Popular e Produção Cultural, apostando numa formação mais complexa e integral, visando um equilíbrio maior entre as disciplinas vinculadas à formação teórico-prática do artista, do historiador de Arte e do professor. Os aspectos dos quais ainda sinto falta dizem respeito ao fato de grande número de recém-formados nas áreas artísticas atuarem hoje em contextos de ensino não-formal – projetos, organizações não-governamentais, associações de bairros, institutos, espaços de arte e cultura, ateliês, museus, galerias, exposições itinerantes, dentre outros. Seja como monitores, mediadores ou professores, este grupo já compõe um nicho de mercado de trabalho, que cresce cada vez mais e que necessita de formação em aspectos que vão desde o domínio das linguagens artísticas até o aprofundamento de conceitos em Educação, relacionados à formação de valores como ética, solidariedade, educação para a inclusão e para a transformação social. Preocupa-me sobretudo, a falta de um conhecimento mais aprofundado sobre Infância e Juventude, Identidade e Cidadania. Não podemos também ignorar outras duas demandas que emergem da sociedade contemporânea e que nos trazem constantes desafios: a educação ambiental e a educação para a cultura da paz.

As escolas estão cada vez mais preocupadas com objetivos como aprovação, a obtenção de médias altas de seus alunos no Enem, altos índices de aprovação em concursos para escolas de excelência ou ingresso no mercado de trabalho. De que forma isto cria obstáculos para o trabalho com Arte nas escolas e como a senhora vê este tipo de concepção educacional?
Os obstáculos, a meu ver, existem pela falta de conhecimento sobre a importância da Arte para a formação integral do ser humano, para a aquisição de novos conhecimentos, para o estabelecimento de relações e para a formação do pensamento divergente, reflexivo e crítico. Se existisse tal entendimento, as grades curriculares tratariam em pé de igualdade as disciplinas artísticas e as demais disciplinas. O fato de se realizar um trabalho artístico, de qualidade e com continuidade, através dos anos de escolaridade, não exclui nenhum dos itens citados, ao contrário, facilita a aquisição de todos. Trabalhar com Arte não exclui planejamento, objetivos, muitos conteúdos e avaliações. As provas do Enem são interdisciplinares, priorizando o estabelecimento de relações e o pensamento complexo, por isso a Arte está cada vez mais presente. O mercado de trabalho, cada vez mais, exige uma formação integral, onde o conhecimento artístico, estético e cultural torna-se um diferencial. Qualquer atividade profissional pode ser melhor realizada com a conquista do conhecimento artístico e estético; do pedreiro ao engenheiro; do cozinheiro ao médico. Questiono sim a excelência de uma instituição de ensino que negue a contemporaneidade, que ignore a importância da Arte na formação de seus alunos, que volte as costas para a riqueza artística, estética e cultural do mundo globalizado e intercultural no qual nos inserimos ou que ainda se sustente somente em metodologias tradicionais, considerando a Arte como um adereço curricular. Considero esta formação totalmente anacrônica para as exigências de nosso tempo, do mercado de trabalho atual, para o cidadão crítico reflexivo e atuante que queremos formar, onde ética e estética deveriam caminhar lado a lado, em sua formação.

Que tipo de contribuição as visitas a centros de arte, museus e outros espaços culturais podem trazer para a prática pedagógica no ensino da Arte e, até mesmo, em outras disciplinas?
Ao realizar este tipo de visita, o professor estará ampliando referenciais e enriquecendo os repertórios artístico e estético de seus alunos, independente da disciplina que lecione. Configura-se numa ótima oportunidade para conviver com diferentes produtos culturais, logo, de conviver com diferentes culturas, aprendendo a ser tolerante e a apreciar tais diferenças, seja de outros tempos e espaços, seja dos tempos e espaços atuais. Este tipo de visita também valoriza nosso patrimônio histórico e cultural, nossa terra, nosso povo, cria um sentido para a preservação patrimonial, amplia vocabulário, facilita a vivência de conceitos, o melhor entendimento de determinados conteúdos – para o professor da área de Artes constitui-se como um laboratório de vivências artísticas e culturais, a partir de acervos de qualidade. Para os professores de outras disciplinas pode significar um rico projeto interdisciplinar a ser realizado, onde os conceitos e conteúdos de sua disciplina a serem explorados podem dialogar e interagir com as diferentes categorias de arte em questão (pintura, gravura, escultura, vídeo, instalação, objeto, fotografias …) ou com as diferentes manifestações artísticas (dança, shows de música, teatro, apresentações literárias, dentre outras). O ideal é que o professor visite o espaço de arte e cultura antes, anotando possibilidades de interface entre seus conteúdos programáticos e os conceitos e conteúdos que serão apresentados pela exposição ou evento em questão.

São necessários espaços muito sofisticados? Ou o fundamental é ter criatividade?
“Nem tanto ao mar, nem tanto à terra”, estes dois extremos não são garantia de nada. Espaços sofisticados, sem mão de obra qualificada ou professores excelentes, sem nenhum recurso físico ou pedagógico, garantidos apenas pela criatividade, têm prazo de validade muito curto. Diria que são necessários espaços adequados ao trabalho de cada profissional. Um professor de Artes Visuais necessita de um tanque ou bancada, assim como o de Música necessita de instrumentos musicais ou caixas de som, o de Dança ou Teatro de espaço físico com tratamento acústico, espelhos, objetos, roupas, material para a construção de cenários. Não é luxo, são as especificidades de cada área de conhecimento, assim como os laboratórios são necessários aos professores de Química ou de Física, as quadras aos professores de Educação Física. Há conceitos artísticos que, para serem apreendidos pelos alunos, necessitam de determinadas condições físicas ou de determinados materiais pedagógicos específicos. Certamente o professor criativo ficará mais motivado com as mínimas condições de trabalho e poderá ser exigido pelo sistema numa atuação a contento. Torna-se importante frisar isto, pois por muito tempo a falta de criatividade dos professores foi utilizada como álibi para a falta de vontade política de dirigentes e de governantes para provir de condições mínimas o trabalho do professor de arte. Professores de arte devem ser formados, bem formados para dominar metodologias e estratégias pedagógicas de sua área de conhecimento, desenvolvendo um trabalho responsável e comprometido com seus alunos. Aos governantes cabe provir o trabalho dos professores com recursos físicos e materiais pedagógicos, salários dignos e investimento na formação continuada… Estas duas possibilidades, tenho certeza, convergem para a dinamização de um currículo artístico significativo, prazeroso, produtivo e repleto de criatividade.

 Fonte: www.folhadirigida.com.br – 22/01/2013


Associe-se
Rolar para cima