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Publicado em 19 de dezembro de 2023 | 10 minutos de leitura

Os desafios da recuperação e da reprovação para a escola, alunos e familiares

Em entrevista para o Sinepe Rio, a professora Vera Rudge Werneck falou sobre recuperação e o fantasma da reprovação. Doutora em Filosofia pela UGF, Mestre em educação pela PUC e Professora de Mestrado em Educação, Vera alerta: não rotulem as crianças e jovens!

Sinepe Rio – 
A recuperação é vista de forma negativa em 99% das vezes, principalmente pelos responsáveis. Na sua opinião, o que de positivo os responsáveis devem considerar na recuperação?

Vera Rudge Werneck – Eu não tenho uma resposta absoluta para essa pergunta, porque existem algumas variáveis a serem consideradas. Se a recuperação é oferecida ao aluno de forma a meramente a cumprir um formalismo, repetitiva, com número determinado de deveres, apenas para cumprir prazo, não se justifica. Mas se for elaborada levando em consideração o aspecto socioemocional do aluno, além do intelectual, ela será útil para o aluno. Porque o processo de aprendizagem se dá em dois níveis. No nível intelectual, em que o aluno deve desenvolver mais a capacidade de abstração, de relacionar ideias e causa e efeito, além de entender teorias e hipóteses. Já no nível emocional, ele deve se conhecer melhor, ser capaz de relação social. Então são dois aspectos que vão se desenvolvendo ao longo do processo escolar.

SRÉ possível o aluno mudar totalmente de postura, após passar pela experiência da recuperação?

VRW – Nesse caso eu acho que não, muito difícil. Agora mudar de postura por mudança de professor, eu acho que é perfeitamente possível. Porque muitas vezes essa dificuldade de relacionamento e de comportamento vem muito mais do mau encontro, de uma má relação entre o aluno e o professor, do que propriamente um comportamento tão negativo por parte do aluno. Evidentemente, existem casos e casos. Existe aquele caso daquele aluno que tem distúrbio, tem transtorno, dificuldade de relacionamento. Mas quando há desencontro, ao mudar de professor, aquele mau comportamento é superado ou até completamente anulado.

SRUm aluno que tenha tido mau desempenho ao longo de todo o ano é realmente capaz de aprender na recuperação?

VRW – O processo de aprendizagem não depende de tempo, e sim de intensidade e aprendizagem. Por isso, se a recuperação for bem feita, realmente ela pode funcionar e pode ser útil para o estudante.

SRNa sua opinião, deve haver um limite de número de recuperações?

VRW – Sim, porque se não chega num ponto onde o aluno não consegue se recuperar em todas as matérias. Em geral são três ou quatro, incluindo duas disciplinas mais pesadas, mais densas e outras duas mais leves. Tem que haver bom senso por parte da coordenação e da direção da escola.

SR – Como o corpo docente deve se organizar para selecionar e aplicar o conteúdo de um ano inteiro na recuperação final?

VRW – Como o aprendizado depende muito mais do estado socioemocional do aluno, do que necessariamente do tempo e do volume de conteúdo, na hora de pensar no programa de recuperação, o mais importante é priorizar os tópicos fundamentais da matéria. Se os alunos conseguirem aprender a estrutura básica daquele conhecimento, eles estarão aptos a, no ano seguinte, refazer as falhas perdidas. Não adianta, simplesmente, adotar um programa cumulativo. Outro ponto importante que deve ser levado em consideração na hora de planejar a recuperação, é considerar um rodízio de professores. Muitas vezes a relação aluno com o professor daquele ano letivo está desgastada e criar a possibilidade de relacionamento com um profissional diferente, com outra didática, pode ser transformador para estudante.


SR – Na sua opinião, é importante que haja recuperações ao longo do ano, a cada fim de bimestre/trimestre, para dar oportunidades para o aluno assimilar o conteúdo e não deixar tudo acumular ao fim do ano?

VRW – Em geral, a recuperação de meio de ano e a final são o suficiente. Muitas vezes o aluno resolve o problema dele em julho e segue o ano bem, é uma chance que ele tem.

SR – De que forma o professor deve fazer a aplicação do conteúdo a fim de atrair o aluno, para que ele realmente assimile o que está sendo ensinado?

VRW – Primeiro o fundamental é que conheça a fundo a proposta pedagógica da escola, e a aplique tanto na avaliação, quanto na maneira de cobrar, no estabelecimento das prioridades e exigências. E aí entra a didática, para buscar maneiras, meios e caminhos para chegar ao aluno. É nesse momento que nos deparamos com os bons professores. Não basta jogar o conteúdo, a didática é fundamental para o sucesso da recuperação.

SR – O que mais a senhora acha relevante para um professor no planejamento da recuperação? O que o aluno aprende nesses 15 dias são realmente o suficiente para passar de ano?

VRW – O aluno tem que aprender os fundamentos daquela disciplina, e não simplesmente aqueles conteúdos que se formam como considerações gerais, baseados nas crenças de outra pessoa, mesmo que seja um autor. É importante permitir que o aluno tenha a sua própria opinião, porque quando ele acha alguma coisa, seja certo ou errado, ele se engaja na matéria. O aluno que se apropria do conteúdo, pesquisa, estabelece a sua própria linha de pensamento, ele vai em frente.

SR – E quando o aluno é reprovado, como mostrar para ele e para os seus responsáveis que existe o lado positivo dessa situação?

VRW – A questão da maturidade é um ponto que acaba se tornando positivo quando o aluno é reprovado. Porque ela causa sofrimento ao longo do ano, dá ao aluno a sensação de não pertencimento ao grupo, o deixa sempre na ponta do pé, tentando se encontrar em uma turma que não é a dele. Muitas vezes acontece de um adolescente de treze anos, com maturidade de até doze, não se encontrar bem com seus colegas de treze, catorze anos, e ele se sente infeliz naquele meio. Esse é um exemplo de quando a reprovação é positiva.

SR – Na sua opinião, quais medidas julga ser eficientes e educativas para os responsáveis tomarem  em relação ao aluno repetente?

VRW – Primeiro a escola deve estabelecer uma comunicação com os pais ao longo do ano inteiro, para mostrar o problema daquela criança ou adolescente. Muitas vezes, ao acompanhar a condição do seu filho e perceber que ele está sofrendo por não estar no padrão da turma, os próprios pais, ao final do ano, concordam que o melhor é a reprovação.  

SR – O que os professores devem fazer para tornar o mesmo conteúdo atrativo para os alunos repetentes?

VRW – Mais uma vez vem a didática. É preciso buscar formas e caminhos diferentes de ensinar o conteúdo, com criatividade.

SR – Quais são as vantagens de manter o aluno na mesma escola ao repetir de ano? E as desvantagens?

VRW – Cada caso é um caso. Se o aluno está infeliz, porque não se adaptou à escola, é aconselhável tocar sim. Mas se é um estudante que está bem adaptado, entendendo a proposta pedagógica da escola, se sente feliz naquele ambiente, não há motivo para se trocar de escola.

SR – Como convencer o aluno que repetir é a melhor opção e que a perda do ano não foi tempo jogado fora?

VRW – Não é difícil não. Se ele se sentiu infeliz ao longo do ano, ele vai até gostar. Mas tudo vai depender da forma com que os pais vão encarar a situação, se vão reagir negativamente, achando que é um crime, uma vergonha, aí é mais difícil. Por isso também é importante estabelecer a parceria escola-pais de alunos ao longo do ano, para que isso não aconteça.

SR – Na volta às aulas em fevereiro, como professores devem trabalhar o acolhimento ao repetente na nova turma?

VRW – Como se ele não fosse repetente, com normalidade, sem rótulo, tratando aquele aluno de forma igual aos outros. Começa logo com a matéria, não há necessidade de tantas práticas de acolhimento. Se o professor não rotula a criança, os colegas também não o fazem. O perigo é sempre rotular.


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