Pedro Flexa Ribeiro
Está em pauta a consulta pública sobre a Base Nacional Comum Curricular. É consenso a necessidade de se universalizar as oportunidades educacionais e a urgência de se garantir uma boa escolaridade. Convém que a sociedade se mobilize para superar as desigualdades.
A educação de qualidade será posta ao alcance da sociedade pela coexistência de diferentes projetos pedagógicos. Cada família tem o direito de decidir sobre o tipo de ensino que deseja para o seu filho. Os valores em vigor em cada projeto se refletem no sistema de avaliação e promoção e em processos como os de ingresso e de inclusão, indicadores úteis e preciosos para orientar na tarefa de identificar aquela que melhor corresponde às suas expectativas.
Quanto mais variado for o leque de opções ao alcance de cada família, mais bem atendidas estarão as crianças e a sociedade como um todo. Essa diversidade é uma virtude a ser celebrada e cultivada. É um patrimônio da sociedade a ser preservado e aperfeiçoado.
Tanto a Constituição quanto a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) foram sábias ao entender que a qualidade de um sistema de ensino decorre de sua diversidade. A legislação maior do país convoca cada estabelecimento de ensino a desenvolver o seu projeto educativo a partir de sua identidade e vocação institucional.
Daí o equívoco de legislações posteriores à LDB que pretendem impor a todas as escolas formas padronizadas de procedimento. Infelizmente, os primeiros 15 anos desse século ficarão marcados pela crescente interferência do Estado sobre as escolas. A tutela do governo atinge não somente a rede oficial, como também os estabelecimentos privados de ensino.
A proposta encaminhada pelo governo alega os mesmos objetivos presentes na LDB e nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Mas agora a diversidade dos projetos pedagógicos seria assegurada por uma “parte diversificada” restrita a 40% da carga horária. Os demais 60% seriam dedicados necessariamente a conteúdos comuns e obrigatórios, quer na rede oficial ou privada, para escolas laicas ou religiosas, brasileiras ou estrangeiras.
No entanto, a leitura do documento revela que se mantém o inchaço do currículo e a tendência ao seu estreitamento e padronização. É desejável que concepções diversas coexistam. Algumas abordagens poderão ser mais bem desenvolvidas na parte diversificada, não devendo constar da base comum obrigatória. Assim, cada família poderá exercer o direito de escolher que valores e perspectivas deseja passar para seus filhos. Por isso é tão importante que coexistam escolas diferentes umas das outras.
É temerário que o sistema educacional e o currículo escolar sejam mobilizados em função da hegemonia de uma determinada visão, qualquer que seja ela e por maiores que sejam os seus méritos. O dogma do “politicamente correto” estabelece um cenário cada vez mais padronizado. A crescente tutela do Estado reduz a autonomia de professores e desconsidera a capacidade de discernimento das famílias. Restringe a liberdade de quem ensina e os direitos da sociedade. A forma pela qual essas questões vêm sendo conduzidas ao longo dos últimos anos limita cada vez mais a liberdade de ensino.
É oportuno reafirmar que a sociedade não será mais bem atendida por um sistema educacional homogêneo. É equívoco pretender-se um consenso universal acerca de como seja equacionado um único processo escolar de qualidade. Jamais haverá uma única e mesma solução adequada para todos. É um engano supor que o bom caminho para a democratização do sistema educacional seja uniformizar o trabalho das escolas.
O melhor percurso a ser seguido é o já apontado tanto pela LDB quanto pela Constituição. Cabe frisar que não se trata da defesa apenas de prerrogativas de escolas e de educadores. Antes disso, a liberdade de ensino constitui direito da sociedade como um todo e de cada família isoladamente considerada. Por fim, favorece a liberdade de pensamento, condição para o aperfeiçoamento da democracia.
Pedro Flexa Ribeiro é educador
Fonte: O Globo – 24/11/2015