Por – Alessandra Moura Bizoni
Em dezembro último, Edgar Flexa Ribeiro foi eleito, mais uma vez, para a presidência do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Município do Rio de Janeiro (Sinepe Rio). O mandato, que vale para o biênio 2014/2015, será o terceiro em sua trajetória na entidade. Flexa Ribeiro já esteve à frente do sindicato na gestão 2006/2007, tendo sido reeleito em 2008/2009.
Representante do Colégio Andrews no Sinepe Rio, o líder sindical afirma que chegou o momento de promover uma renovação no sindicato das escolas privadas. Para o educador, que já foi presidente da Associação Brasileira de Educação (ABE), uma das mais tradicionais entidades ligadas ao ensino no país, está na hora de a renovação ocorrida nas últimas décadas no comando das instituições de ensino do Rio de Janeiro contaminar os quadros do sindicato. Em tom jocoso, Flexa Ribeiro pretende transmitir seu cargo a um educador bem mais jovem. “Minha meta pessoal é passar a presidência para alguém que seja de 20 a 30 anos mais moço do que eu. Vou fazer 74 anos.”
Com uma postura crítica diante de ações do Ministério da Educação (MEC), o novo presidente do Sinepe-Rio condena o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a proposta de lançamento do concurso nacional para o magistério — apelidado de “Enem dos Professores” — e também o projeto de lei que prevê a criação do Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior (Insaes), autarquia cuja função será regular e fiscalizar o ensino superior.
O dirigente do Colégio Andrews, que figura entre as melhores instituições no ranking do Enem no Rio de Janeiro, defende que a centralização de políticas públicas no Brasil é uma herança lusitana, trazida ao Brasil por Dom João VI e que persiste até os dias hoje.
Ainda na entrevista, o presidente do Sinepe-Rio analisa os novos desafios da educação na atualidade, sejam os de ordem gerencial, sejam os relacionados aos aspectos pedagógicos, além de orientar as escolas privadas sobre as mudanças no calendário escolar provocadas pela Copa do Mundo.
Folha Dirigida – O senhor foi eleito presidente do Sinepe Rio em dezembro. Quais são os seus planos para nova gestão?
Edgar Flexa Ribeiro – Minha gestão terá uma particularidade: promover na liderança sindical da rede particular do Rio de Janeiro uma renovação. A geração que tem comandado o sindicato nas últimas décadas está envelhecendo. Está na hora dos novos aparecerem. É muito importante que as escolas saibam disso. Essa renovação será possível na medida em que tivermos a participação ativa dos associados. Precisamos deles na condução do sindicato. Minha meta pessoal é passar a presidência para alguém que seja de 20 a 30 anos mais moço do que eu. Vou fazer 74 anos.
Por que os representantes destas novas gerações estão distantes do Sinepe Rio?
A geração a qual pertenço teve muito êxito. Somos uma geração que soube lutar pela categoria, fazendo acordos, negociando com funcionários. Não há razão aparente para que ocorressem mudanças. A rede privada rejuvenesceu muito. E está na hora dessa nova geração tomar conta do Sinepe-Rio. Ainda não sabemos precisar quais serão as ações. Mas meu objetivo é promover essa renovação.
O senhor já esteve à frente do Sinepe Rio na gestão 2006/2007 e foi reeleito em 2008/2009. Quais são os principais desafios de comandar essa entidade?
Temos os desafios de defender os interesses de uma categoria. Existem os aspectos empresarias. No mês de outubro, o diretor faz uma projeção que fica imutável até dezembro do ano seguinte. Em outubro de 2013, os diretores definiram a mensalidade que ficará em vigor até dezembro de 2014. Isso exige que o país dê às escolas previsibilidade econômica e estabilidade financeira. Esse ano vai ser difícil. Haverá eleições e, provavelmente, vamos terminá-lo com um novo presidente da República. Qual será o quadro em outubro? Essa dúvida é um desafio da escola particular como setor da economia nacional. Há também as dificuldades sindicais: acordos, dissídios e outros itens relativos a esse contexto. E, por fim, no Sinepe-Rio, enfrentamos os desafios relativos à parte educacional propriamente dita.
E nesse sentido, quais pontos demandam uma ação mais incisiva da entidade sindical?
Os aspectos educacionais são os que exigem maior esforço. O sindicato reúne estabelecimentos de uma mesma atividade econômica e das mais variadas concepções do que seja educar. Nosso leque deve ser o mais aberto possível. Não há duas escolas que ajam da mesma forma quando se relacionam com os alunos e com as famílias. Não existe uma escola que reproduza exatamente o que a outra faz. Até mesmo unidades diferentes de uma mesma organização, uma em Copacabana e outra na Barra da Tijuca, agem de modo distinto uma da outra. E, hoje em dia, novidades como a adoção dos “sistemas de ensino” têm impacto do processo educacional.
Como o senhor avalia o surgimento desses “sistemas de ensino”?
A adesão aos “sistemas de ensino” é uma nova opção à educação que antigamente era feita dentro da escola. É um pacote que já vem pronto. Mesmo escolas que utilizam o mesmo sistema de ensino não o fazem da mesma forma. A escola não resume sua atuação ao ensinar. A escola educa. Há escolas mais liberais, outras mais conservadoras. Há inúmeras formas de trabalhar o aluno. A escola prepara os alunos. Acompanha o crescimento das plantinhas e, quando o galho está torto, coloca uma estaca para endireitá-lo. E há uma grande diversidade de linhas pedagógicas. A grande força da escola particular é a maleabilidade oferecida à clientela.
E a que o senhor atribui o surgimento dessa nova ferramenta?
Não há mal nenhum na adoção desses “sistemas de ensino”. Antigamente, os professores eram formados de tal forma que eles eram capazes de criar, naquele universo, um sistema de ensino. Os professores eram bem formados. Havia um programa básico estipulado pelo Ministério da Educação (MEC).
Neste ano teremos a Copa do Mundo. De que forma esse evento vai impactar o calendário escolar? Que orientação o Sinepe Rio dá às instituições de ensino?
Temos tido uma posição de bom senso. Há os períodos de férias que serão acertados com professores e funcionários. Fora isso, cada escola poderá fazer como quiser. Em uma escola em Campo Grande, que funciona a 20 quilômetros de distância do campo de futebol mais próximo, quais são os impactos dos jogos de futebol? Mas as escolas que funcionam ao lado dos estádios de futebol precisam tomar providências. Não podemos colocar todos em um mesmo pacote. Temos uma orientação em nossa pagina na internet. A recomendação é para que o recesso aconteça na primeira quinzena de julho. Tudo vai ser negociado. De toda forma, os 200 dias do ano letivo deverão ser cumpridos. Algumas escolas inclusive anteciparam o início das aulas.
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) eliminou 1.522 candidatos que tentaram fraudar o Enem 2013. As irregularidades envolvem uso de pontos de escuta, porte de equipamentos eletrônicos, tentativa de consulta a conteúdos externos, entre outras ações. O órgão também excluiu 36 candidatos por postarem fotos das provas nas redes sociais. Esses episódios arranham a credibilidade do Enem? Por quê?
Na minha opinião — que não reflete necessariamente a opinião do sindicato — o Enem é uma monstruosidade.
Por quê?
Eu não acredito em nenhuma forma de padronização tão minuciosa em um país das dimensões geográficas do Brasil. Nos EUA, por exemplo, cujo tamanho se assemelha ao Brasil, eles dividiram a responsabilidade da educação com os estados. Cada estado tem o seu sistema de ensino e resolve suas dificuldades de modo local, de acordo com sua realidade. O Pará não tem nada a ver com São Paulo. O Amazonas não tem nada a ver com o Espírito Santo. E este, mesmo com a proximidade geográfica, é muito diferente do Rio de Janeiro. Muitos defendem o Enem citando a França, que tem o “Baccalauréat”. Mas a França é do tamanho da Bahia e, desde o século XIX, tem escola obrigatória para todos. Aí, fica fácil… O Enem ainda poderia ser aplicado com o sentido de acompanhar o aprendizado dos estudantes, avaliando suas competências e habilidades. Mas permitir que o Enem se transforme em símbolo de qualidade de ensino é um equívoco monumental. Nosso país é muito diferente. Em qualquer lugar do país teremos estudantes dedicados, que frequentam boas escolas e que obterão excelentes resultados. Mas o que isso quer dizer? Nada. Bons alunos e boas escolas existem em todos os lugares. E o que está acontecendo com quem não passa no Enem? Foram sete milhões de inscritos e pouco mais de cinco milhões foram fazer a prova. Hoje em dia, o Enem coa a nata do leite. E o leite propriamente dito é desprezado.
Qual é o aspecto mais complexo do Enem?
O que me apavora no Enem é resumir o seu resultado na qualidade do aluno e na qualidade da escola. Isso é um engessamento da inteligência brasileira. Hoje em dia, o jovem bem formado é aquele que tirou uma boa nota no Enem. E o Enem é uma prova feita na cozinha do Inep, que estabelece aquilo que o jovem brasileiro pode saber. O estudante brasileiro está sem tempo de saber qualquer outra coisa que não seja o conteúdo cobrado no Enem. O Estado brasileiro determina o que as pessoas podem saber, não porque que elas queiram saber, mas porque devem saber para fazer qualquer coisa. Todos vão ficar iguais.
Quais as consequências dessa cobrança uniforme?
Muita gente deixa de ser bem atendida porque seu objetivo não é o Enem. Que direito os estudantes têm de aprender conteúdos diferentes? Essa é uma herança cultural lusitana.
Como assim?
A maior contradição brasileira, fonte de nossos problemas, ocorre porque Dom João VI veio para o Brasil com um Estado pronto, que funcionava nos limites Portugal, que tem aproximadamente o tamanho do Espírito Santo. E ele quis replicar esse Estado em um país com uma das maiores dimensões do mundo. Esse Estado dá todos os sinais de que não marcha do modo como está sendo levado.
E de que forma esse pensamento repercutiu na educação brasileira?
Na Constituição Federal de 1946, constava que a União deveria legislar as Diretrizes e Bases da Educação e não ditar programas de ensino. A Lei 4.024/1961, a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), determinava que cada Estado deveria organizar o seu sistema de ensino. Ela foi a única lei de ensino deste país democraticamente discutida pela sociedade, debatida e votada no Congresso Nacional. Nenhuma outra lei educacional desfrutou do ambiente político que havia na época. Participaram dos debates durante quatro anos o PCB, a UDN, o PTB, o PSD. Essa lei flexibilizou o currículo mínimo e tentou dividir a responsabilidade nacional com os estados.
E porque esse modelo acabou?
A centralização do Estado é um aspecto de regimes totalitários. O Regime Militar acabou com essa descentralização prevista na Lei 4.024/1961 e determinou que todo o ensino de segundo grau fosse profissionalizante. E daí para a frente, a autonomia da educação estadual acabou. Mesmo após a redemocratização do país, a autonomia da educação em nível estadual não foi recuperada. E o Brasil voltou para trás, com o mesmo modelo centralizador de Estado, trazido por Dom João VI. Em todos os países do mundo, houve a inquisição. Na Alemanha, Lutero pregou suas teses nas portas da igreja, e, pouco tempo depois, já estavam impressas e circulando. Em Portugal, isso não acontecia. Quem autorizava as publicações não eram os representantes da inquisição e sim o rei. Não se imprimia uma única folha de papel em Portugal sem licença real. Quem definia a impressão era o Estado. Isso é simples de fazer em um país das dimensões de Portugal. Mas aplicar esse modelo no Brasil é complicado. A inquisição torceu o nariz para Cervantes, mas Dom Quixote foi impresso… E é esse aspecto que me angustia no Enem: é fazer o Brasil, de novo, ficar do tamanho de Portugal pelo domínio da distribuição do saber.
Pela segunda vez, no governo da presidente Dilma Rousseff, o ministro da educação foi trocado por conta de reforma política. Como vê esta postura em relação ao MEC?
O Aloizio Mercadante nunca foi ministro da Educação. O Fernando Haddad nunca foi ministro da Educação. No Brasil, o ministro da educação não tem a menor importância. O MEC tem a sua cultura local, sua burocracia, que manda no ministro. E não há interesse em mudar essa situação. O Fernando Haddad fez o que a burocracia do MEC queria.
O que achou da escolha do nome do José Henrique Paim, que atua há dez anos no MEC, para comandar a pasta?
Ele é burocrata do MEC.
Em seu discurso de posse, José Henrique Paim afirmou que a formação dos professores da educação básica será a “obsessão” da pasta. Esse é o caminho para a melhoria da qualidade da educação no país?
Quero ver… O que ele vai fazer é aplicar um “Enem para professores”. O MEC criará um concurso nacional para ingresso no magistério. E, em pouco tempo, os cursos de formação de professores estarão preparando seus alunos para essa prova e, assim, adequando seus programas e currículos ao “Enem dos professores”. Esse será o “labo B” do Enem. É mesma fórmula, o mesmo modelo, que amarra o Brasil ao tamanho de Portugal. Todos os professores ensinarão a mesma coisa da mesma maneira. E a culpa de todo esse processo é da classe dirigente brasileira.
Por quê?
O Brasil tem uma elite de péssima qualidade. A elite brasileira não pensa sobre a educação do país. E a burocracia ministerial se aproveita da omissão da classe dirigente. A educação não é uma preocupação da classe dirigente brasileira. Essa elite acha normal que lhe digam como o professor deve ser educado, como o advogado deve ser educado, como os estudantes devem ser educados. A classe dirigente diz que é importante ter escolas, mas não se ocupa do assunto.
O novo ministro também defendeu a criação do Insaes — autarquia que será responsável pela regulação e fiscalização do ensino superior. Que avaliação o senhor faz dessa proposta?
Claro… Estamos falando do mesmo modelo em todos os níveis. Estamos lutando na Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) loucamente contra essa barbaridade do Insaes. Isso é um absurdo. A maldição é que, caso essa proposta seja aprovada, as pessoas não serão livres para saber ou estudar aquilo que quiserem e, sim, estudarão aquilo que o Estado determinar. Da escola primária à universidade, o governo quer controlar a expansão do saber. Só o Estado brasileiro pode saber aquilo que o cidadão deve saber. Essa é a tradução contemporânea de Dom João VI. A ameaça que está se concretizando é essa: primeiro criam o Enem e dizem o que o aluno deve ou não estudar; em seguida, aplicam uma prova junto aos professores, dizendo-lhes como e o quê devem ensinar. E, por fim, vão para as universidades e tomam conta delas. No meu entender, o futuro não será bom.
Recentemente, a Universidade Gama Filho (UGF) e a UniverCidade foram descredenciadas pelo MEC e seus alunos passam por um processo de transferência assistida. Como o senhor avalia o episódio?
Lamento imensamente o nome da UGF estar envolvido nessa situação. A Gama Filho foi uma grande universidade, fundada por um grande homem, o ministro Gama Filho, que conheci. Conheço a sua família. Fico desolado de ver isso com o nome de uma instituição tão ilustre na educação brasileira e na educação carioca. Esse episódio é um acidente de percurso lastimável e também nos revela uma outra realidade — eu nunca pensei que fosse ver ações de um grupo universitário serem vendidas na Bolsa de Valores… O MEC não tem dinheiro para fazer tantas universidades quanto o país precisa. E, por outro lado, há necessidade de novas escolas, que acabam sendo abertas pela iniciativa privada. Então, o MEC surge como regulador dos sistemas.
Há novas competências gerenciais que esse novo cenário demanda dos gestores das instituições privadas de ensino?
Sim. Creio que há uma competência nacional brasileira instalada para fazer com que a nossa educação ande para frente. O MEC pode fazer o que quiser, mas não conseguirá controlar esse processo em função do tamanho de nosso país. O Enem vai funcionar, mas, em breve, vai deixar de ser notícia. O país não vai caber em uma costura, nos modelos estipulados pelo MEC; modelos estes que têm um encontro marcado com o fracasso.