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Publicado em 08 de outubro de 2014 | 7 minutos de leitura

Quantidade sem qualidade

Priscila Cruz*

Estamos em pleno processo eleitoral no Brasil e pouco se fala em melhorar a qualidade da Educação com coragem necessária para dar um salto. Recentemente foram divulgados os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios-2013. E, como esperado, houve crescimento na média de anos de estudo dos brasileiros, de 7,5 para 7,7 anos. Também aumentou a porcentagem de crianças de 4 e 5 anos que frequentam a Educação infantil, um aumento expressivo de 3 pontos porcentuais em um ano.

Olhando pelo lado quantitativo, tudo parece ir bem – afinal, estamos melhorando. Entretanto, isso não deveria deixar os gestores públicos nem a nós, cidadãos preocupados com o País, com nossas crianças e nossos jovens, tranquilos e satisfeitos. Por três razões bem conhecidas: a necessidade de recuperar centenas de anos de descaso com a Educação, as políticas públicas insuficientes para dar respostas que nos coloquem no patamar de países mais desenvolvidos e, em consequência, a enorme falta de qualidade da Educação.Sobre o descaso, demoramos até para ter uma elite intelectual formada no Brasil.

Os cursos superiores foram criados de forma isolada no País no início de 1800 e as primeiras universidades surgiram só no início do século 20, ao passo que no México a primeira universidade foi fundada em 1551. Mas, e para toda a população havia Escola pública gratuita e universal? Não, muito longe disso. Há poucas décadas começamos o tardio processo de inclusão das crianças na Escola. E um dos resultados é o persistente Analfabetismo adulto no País: 8,5% das pessoas de 15 anos ou mais não sabem ler e escrever, estão na escuridão.

Segundo a Unesco, na América do Sul estamos empatados com o Peru como o país com a maior porcentagem de adultos Analfabetos e, em termos absolutos, o Brasil é o oitavo país com o maior número de Analfabetos do mundo.Como demoramos muito a pôr a Educação na agenda pública, tenta-se tirar esse atraso com políticas que em outros países estão fora da pauta – ou por já fazerem parte da política há décadas ou por terem sua ineficácia comprovada.

Apenas 13% dos Alunos brasileiros estudam em tempo integral; somos um dos campeões mundiais de repetência, com apenas 67% dos jovens de 16 anos com o Ensino fundamental completo; não temos um currículo nacional que possa guiar a formação dos Professores, a avaliação, a gestão pedagógica das Escolas. Esses exemplos são apenas algumas das tantas questões ainda não resolvidas na segunda década do século 21.

Ainda patinamos com a continuidade da descontinuidade, com o uso político-eleitoral da Educação, com o descompromisso da sociedade – sim, nós também somos responsáveis – e dos gestores públicos. E para dificultar, investimos pouco por Aluno e gerimos mal esses escassos recursos.É inegável que avançamos em termos quantitativos, mas em que medida esse avanço realmente nos tem levado a uma Educação de qualidade e mais equitativa? Em termos de aprendizagem, os avanços são muito tímidos.

No Ensino médio temos graves retrocessos. Isso pode ser ainda mais alarmante se analisarmos a qualidade como a garantia de a Educação estar preparando nossos jovens para uma sociedade cada vez mais complexa, para um mercado de trabalho mais competitivo e exigente. Muitas outras habilidades são exigidas além do domínio de conceitos básicos da matemática e da língua portuguesa – habilidades importantes para a vida, como saber se comunicar, argumentar e debater; analisar, criticar e usar novos dados e informações; extrapolar ideias e conceitos; usar a tecnologia para expandir projetos; inovar constantemente.

A Educação formal, a que se dá nas Escolas públicas e privadas e no Brasil é obrigatória dos 4 aos 17 anos, só faz sentido se for pensada e desenvolvida para preparar nossas crianças e nossos jovens para o mundo em que eles vão viver, bem aqui, no século 21. Ainda persistimos num modelo que foi adequado para outro tempo e, além do mais, atendia a uma pequena parcela de crianças e jovens, apenas os da elite.

Esta ambição é que nos falta, a de realmente promover mudanças substantivas para alcançar uma Educação de qualidade para todos: rediscutir a formação de Professores e seu novo papel na sala de aula, na Escola e na vida dos Alunos; avançar com novas abordagens pedagógicas, com novos tempos e espaços de aprendizagem nos quais os Alunos possam desenvolver suas habilidades e seus projetos; definir um currículo nacional que abranja as competências básicas de matemática, ciências e língua portuguesa e também abra a possibilidade para novas aprendizagens e para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais; ter mais flexibilidade de conteúdos e disciplinas, principalmente no Ensino médio; articular a Educação formal com a sociedade e com o mundo do trabalho, rompendo o isolamento das Escolas. Enfim, uma Educação que realmente faça sentido agora e no futuro.

Apenas aumentar os anos de estudo já não basta para promover o crescimento de uma nação, nem para melhorar significativamente a vida das pessoas. Para conquistarmos, além da quantidade, a qualidade de que precisamos – a qualidade adequada aos tempos atuais e aos desafios do País, para os jovens que vão em pouco tempo ingressar na vida adulta -, teremos de promover um debate muito mais arrojado e contemporâneo.

E, muito mais que isso, precisamos de gestores capazes de pôr em prática as ações necessárias para que tudo isso ocorra, tirando o atraso do nosso Brasil e fazendo com que todos nós avancemos rumo a uma nova sociedade, muito mais rica, justa e feliz.Fica aqui a sugestão aos candidatos à Presidência da República – e aos governadores dos Estados, senadores e deputados eleitos – para que apresentem propostas corajosas e se comprometam a romper de vez com o Brasil do século passado.  

*Priscila Cruz é mason fellow na Harvard Kennedy School of Government e diretora executiva do Movimento Todos Pela Educação

Fonte: O Estado de S. Paulo (SP) – 8/10/2014


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